Volta
A campainha tocou as 11 da noite quando eu estava no meio de uma arrumação das roupas no meu armário. Eu não era lá a pessoa mais organizada, mas naquele momento eu me sentia tão ansioso que precisava fazer alguma coisa com minhas mãos simplesmente para não enlouquecer.
Fui até a porta e abri. Era Alice do outro lado.
- Posso entrar? – Ela perguntou.
Não respondi e me afastei para que ela entrasse.
Ela caminhou pela sala e jogou a bolsa que trazia consigo em cima do sofá.
- Você está bem? – Perguntei depois de fechar a porta.
- Não exatamente.
- Quer algo pra beber?
- O que você tem aí?
- Tem vinho.
- Aceito.
Andei até a cozinha, peguei uma garrafa que estava encostada dentro do armário e enchi dois copos. Entreguei um a ela e fiquei observando enquanto ela tomava o primeiro gole.
- Algum motivo pra você vir aqui uma hora dessas? – Perguntei.
- Desde quando eu preciso de um motivo pra bater na tua porta? – Alice respondeu com um sorriso debochado no rosto.
- Verdade nunca precisou... mas eu não esperava agora... Ainda mais numa hora dessas.
- Eu decorei teu endereço de tantas vezes que pensei em vir aqui.
- E por que não veio?
- Não é óbvio?
- Com você nada é óbvio, Alice.
Ela tomou mais um gole do vinho e encostou o copo na pia da cozinha.
- Eu fui tão difícil assim como você? – ela perguntou.
- Em alguns momentos.
- Foi por isso que você procurou outra pessoa?
- Eu não procurei ninguém.
- Não muda o fato de que tem outra pessoa na tua vida agora...
- E quantas não passaram pela tua nesse meio tempo?
- Você acha que se trata de uma competição? – Ela perguntou irritada.
- Não. Mas se fosse, eu estaria claramente perdendo.
Alice levou as mãos a cabeça, mas respirou fundo e murmurou como se tivesse calculando as palavras.
- Não queria que você se sentisse assim.
- É a vida, meu bem. Essas coisas nunca estão no nosso controle.
- É verdade. Mas eu não queria que você tivesse parado de pensar em mim...
- Eu nunca parei, Alice... por muito tempo você teve acesso livre na minha vida. Fez vários castelos na minha cabeça... Mas eu precisava de algo concreto pra me agarrar.
- É... e conseguiu bem rápido, né? – Ela falou em tom de deboche.
Larguei o meu copo junto do dela e fui até o quarto. Alice me seguiu de perto. Ficamos calados, encarando um ao outro até que ela quebrou o silêncio.
- O que aconteceu? – Ela perguntou apontando pra as roupas sobre a cama.
- Estou organizando as minhas coisas.
- Você nunca foi do tipo organizado.
- Talvez eu esteja tentando mudar isso.
Alice se sentou na cama e ficou com o olhar apontado pro chão. Eu não sabia mais o que dizer. Não sabia mais o que esperar daquela situação, então comecei a juntar as roupas e empilhá-las dentro do armário. Quando terminei, me sentei ao lado de Alice e me juntei ao silêncio dela.
- Eu não queria que as coisas tivessem terminado assim. – Ela murmurou.
- E quem disse que terminaram?
- Como assim?
- Esse tipo de história nunca acaba... e estamos vivos, não estamos?
- Estamos. Mas o que você quer dizer com isso?
- Que ainda temos bastante tempo pra seguir errando.
- E a outra pessoa?
- Ela não tem nada a ver com isso. E não estou pensando nela agora.
- E no que você está pensando?
- Que todo o meu azar pode ser um tipo diferente de sorte.
- Não estou entendendo nada... Sério.
Num ato sem pensar. Ou talvez deliberado, pensado e repensado várias vezes, me virei e beijei Alice. Inicialmente ela hesitou, mas cedeu depois de alguns instantes. Nos deitamos lado a lado e nos beijamos até quase perder a noção das horas.
Quando paramos para respirar, finalmente me dei conta do que estava acontecendo.
Me levantei e apaguei a luz. Apesar da escuridão, eu sabia que ela estava sorrindo.
Não perdi muito tempo com a torrente de pensamentos que tentava invadir a minha cabeça e me deitei novamente do lado de Alice.
Em alguns instantes as nossas roupas estavam espalhadas pela cama, e eu perdido no meio das pernas dela.
Eu queria que ela me algemasse e me prendesse naquele momento. Eu queria gravar os gemidos e os suspiros dela na minha memória. Queria ter o gosto dela na minha boca pra sempre...
mesmo que não fosse pra durar.
E eu sabia que dificilmente seria.
Quando terminamos, ela correu até a sala e voltou com os nossos copos cheios de vinho.
Ela acendeu a luz novamente e bebemos em silêncio.
- O que fazemos agora? – Ela perguntou depois de alguns minutos.
- O que você quer fazer?
- Não sei.
- Tudo bem... eu também não sei. – Respondi.
Ela sorriu.
- E sua namorada?
Alice ficou me encarando como se tentasse entender a situação observando as minhas feições.
- Não tenho ninguém...
- Como assim? Eu sei que você está namorando.
- Estava... não estou mais.
Me levantei da cama, fui até o armário tirei uma sacola de dentro.
- Eu estava me desfazendo das coisas dela quando você chegou.
- Sinto muito... – Ela falou consternada.
- Sente?
- Pela situação... sim.
- Normal. Essas coisas acontecem.
De repente uma lágrima despencou de um dos olhos de Alice. E logo várias outras se seguiram.
Entre soluços ela murmurou.
- Eu achei que a gente tinha se perdido de novo... Achei que eu tinha te perdido.
Andei até ela e a abracei. Ela seguiu chorando com o rosto de encontro ao meu peito, sem conseguir articular bem as palavras.
- Também achei... mas que bom que estávamos errados sobre isso.
Alice parou de chorar e voltamos a nos beijar como se estivesse tudo certo entre nós...
como se tudo estivesse no lugar.
finalmente.