Mosquitos
Suzane mergulhou a ponta do dedo na caneca de café e depois levou até a boca. Fez uma careta e encostou a caneca em cima da mesa de cabeceira.
- Está frio. – Ela comentou.
- Tem mais na garrafa.
- Mas é de ontem.
- Tem pó se você quiser fazer mais.
- Estou com preguiça.
- Quer que eu faça pra você?
- Quero. – Ela respondeu com um sorriso intrigado.
Me levantei da cama, coloquei um calção e percebi que ela estava me observando com um olhar de curiosidade.
- O que foi? – Perguntei.
- Não estou acostumada com homens prestativos assim.
- Não?
- Talvez no começo... ou pelo menos antes de me comerem... Todas as gentilezas desaparecem depois da primeira noite.
- Imagino que seja assim mesmo.
Ela sorriu, se esticou e acertou um mosquito em pleno voo com as mãos.
Observando o bicho morto, ela abriu um sorriso e concluiu.
- Homens são como mosquitos.
- É?
- Só são as fêmeas que picam... Depois do sexo procuram alguém pra sugar, e só depois põem os ovos. Os machos servem apenas pra reproduzir. Não sabem mais fazer nada... Depois que ficam adultos só duram o suficiente pra cruzar uma vez e morrem.
- Parece que eles não têm uma vida muito agitada mesmo.
Ela riu, e mostrou o sangue marcado nas mãos.
- Menos uma pra te sugar, meu amor. Não quero concorrência.
Dei de ombros, e peguei a caneca que ela havia deixado. Fui até a cozinha e botei água pra esquentar. Abri a garrafa térmica e joguei o café velho na pia. Coloquei o pó dentro do coador de pano e deitei a água quente em cima. Quando estava tudo pronto, lavei a garrafa e enchi com o café recém coado. Levei uma caneca cheia para ela. Forte e sem açúcar, como ela gostava.
Quando cheguei no quarto, Suzane estava trepada na janela, completamente nua, sem se preocupar se estava sendo vista pelos vizinhos.
Entreguei a caneca e ela deu um gole.
- Está quase como eu gosto. Mas podia ser um pouco mais forte.
- Teu café é tão forte que quase dá pra cortar com uma faca.
- Isso. É assim que eu gosto. – Ela disse com um sorriso.
Me sentei na cama e logo me vi num estado pensativo, com o olhar perdido entre as paredes.
- Você é um cara estranho, sabia? – Ela murmurou depois de tomar um gole do café.
- Em que sentido?
- Em quase todos.
- Pode ser mais específica?
- É quase como se você fosse duas pessoas. Num dia você parece que você não consegue parar de falar. Conversamos horas e horas. E há dias que você fica calado, lacônico, com esse ar sombrio... Eu gosto de observar suas mudanças repentinas de humor, mas ao mesmo tempo me espanto com elas.
- Te incomoda?
- Me intriga.
- Por enquanto... Vai chegar um momento que provavelmente você não vai suportar esse tipo de coisa.
- Como você pode ter tanta certeza disso?
- Costume. Já me aconteceu algumas vezes.
Ela bebericou mais uma vez o café, se levantou e andou sobre a cama.
- O teu problema é que você acha que todas as mulheres são iguais.
- Eu não acho isso.
- Certeza?
- Talvez as mulheres que eu me interesso sejam muito parecidas.
Ela deu uma risada forçada e ficou me encarando.
- O que foi? – Perguntei.
- Não gosto de ser comparada.
- Não estou te comparando. Só estou dizendo que eu me atraio por um tipo muito específico de mulher.
- E que tipo é esse?
- Mulheres que não precisam de mim pra nada. Mulheres que são capazes de discordar de mim e não escondem quando não gostam de algo. Mulheres que gostam de coisas diferentes e que mostram coisas novas, outros pontos de vista, outras realidades.
- E o que falta nessas mulheres pra que você fique com uma delas mais do que casualmente.
- Aí é algo que foi muito específico de cada caso.
- Como assim?
- Em algumas faltou sinceridade, em outras lealdade, fidelidade. E outras simplesmente enjoaram do meu jeito e foram embora.
- Você acha que eu vou embora?
- Não estou pensando nisso.
- Pois bem. Por enquanto você não me deu motivos. E seu café é até razoável. – Ela falou com um sorriso no rosto.
- O café é o de menos. Tem a bagunça, a inconstância, uma bebedeira ocasional ou outra... pra você se irritar.
- Pelo tanto de garrafas de cerveja na tua área de serviço, as bebedeiras são mais do que ocasionais. – Suzane falou, se aproximando de mim.
Ela deixou a caneca sobre a mesa de cabeceira e enlaçou os braços ao redor do meu pescoço.
- Você fala tudo isso, mas talvez seja você quem vai me deixar.
- É sempre uma possibilidade. Mas por enquanto não tenho motivos pra pensar nisso... muito pelo contrário.
- É? – Ela murmurou, aproximando o rosto do meu ouvido.
Suzane me puxou até a cama, se deitou e ficou me encarando, como se esperasse algo.
Me curvei por cima dela, mas mantive o meu rosto a uma certa distância, com o olhar preso aos olhos dela.
- Que tipo de homem você é? – Ela murmurou.
- Eu sou um poeta, um bêbado... alguém teimoso demais pra admitir uma derrota. Ou apenas só mais um mosquito preso entre os seus dedos.
Ela sorriu e segurou a minha cabeça com as duas mãos e me trouxe para perto. Nos beijamos, e depois de alguns instantes, comecei a descer pelo seu corpo.
Parei logo abaixo do seu monte de vênus. Com um sorriso no rosto, respirei fundo e me fartei daquele prazer que a natureza tinha negado aos pobres mosquitos.