Ricardo está sentado na sua mesa em seu consultório no bairro de laranjeiras tentando colocar em ordem algumas fichas de novos pacientes, enquanto Maria Augusta discute com ele deitada em seu divã.

- Por que você não quer me atender? - ela pergunta chorosa -

- Por que eu não posso e agora nem os que eu lhe indiquei podem mais. - ele respondeu calmamente -

- Eu pago. Tenho muito dinheiro. Você sabe disso.

- O problema não é dinheiro e você também sabe disso ou finge que não sabe. - ele continua sem olhar para ela -

- O que é então? - ela estava nervosa -

- Você sabe e não vou lhe explicar novamente - ele falou sem perder a calma -

- Aliás tentei marcar um horário com sua secretária e ela me ignorou. Ela é incompetente e mal educada. Como ela ousa ignorar Maria Augusta Dupont? Quero que você demita imediatamente essa insubordinada.

- Ela não ignorou sua presença.

- Ricardo você não percebe que ela está afastando seus pacientes? Sua sala de espera está vazia.

- Hoje é domingo Guta. - sua voz soa macia -

- Ah é? Não tinha percebido. - ela deu de ombros -

- Claro que não. Tempo não tem mais nenhuma importância para você.

- É verdade. - ela reconhece triste - Eu não entendo você sabia. Até pouco tempo atrás você queria que eu fizesse um tratamento e agora não quer me atender.

- O tratamento não seria comigo e agora não dá mais. Se você tivesse atendido meu pedido, talvez hoje as coisas seriam diferentes. Por que não me ouviu?

- Não sei. Eu não queria que tivessem pena de mim. - ela senta na mesa - Gosto de provocar inveja, não pena.

- Nunca tive pena de você. Eu sempre quis que tratasse sua depressão.

- Depressão. Odeio essa palavra.

- É uma doença como outra qualquer quando se faz o tratamento adequado.

- Não, não é. - ela está irritada - Você acha que eu não percebia que todos falavam de mim pelas costas? A pobre menina rica. Tem o mundo aos seus pés e vive triste. Eu tinha muita raiva.

- Agora você tem que deixar tudo para trás e seguir seu caminho. Mágoa, ódio e rancor são sentimentos tóxicos para nossa alma, nossa evolução.

- Não consigo perdoar quem me fez mal Ricardo, nem mesmo você. - ela agora estava na janela olhando a rua.

- Eu nunca lhe fiz mal minha querida.

- Você me desprezou Ricardo. Ignorou meus sentimentos e me humilhou diante de toda a sociedade carioca.

- Eu não amava você como mulher Guta. Não tive coragem de desfazer nosso compromisso antes do dia do nosso casamento e esse foi o meu único erro. Eu amava a Valéria.

- A mosca morta da Valéria não conseguiu lhe dar nem um filho. Você queria tanto um filho. No final das contas essa ficou sendo a minha vigança. Eu tive uma filha que poderia ter sido nossa.

- Você foi muito cruel quando jogou isso na minha cara. Pauline é linda. 

- Por que vocês nunca adotaram uma criança? - Ela estava curiosa - 

- Eu nunca quis. Eu sempre achei que uma hora Valéria engravidaria. Adotar seria desistir do filho que eu sempre quis ter. Quando você voltou de Paris com Pauline sofri muito porque eu poderia ser realmente o pai dela.

- Pauline foi um bálsamo na minha vida mesmo. Eu fui para Paris arrasada, humilhada, querendo vingança. até hoje não sei como consegui enfrentar os convidados na igreja. Foi horrível e eu queria vingança. Eu arquitetei vários planos para acabar com você até que engravidei e aí tudo mudou.

- Não pense que foi fácil para mim - admitiu Ricardo - Chorei lendo os jornais falando de você.

- Quando nos reencontramos na Colombo e soube que você e Valéria não tinham filhos, percebi que eu já tinha me vingado e deixei a idéia de vingança de lado. Achei que podíamos ser amigos.

- Você não precisou se vingar. Fui castigado o suficiente. - ele falou com tristeza -

- Mas eu me vinguei Ricardo e agora compreendo porque ainda estou aqui.

- Deixe disso Guta. Valéria tinha problemas no útero, não foi culpa sua.

- Mas a minha vingança não foi essa meu querido. 

- Como assim? Não estou entendendo

- Cheguei em Paris devastada e não consegui nem sair de casa. Meus pais foram maravilhosos e pacientes comigo, mas nada do que faziam dava resultados até que eu descobri a gravidez.

          Ricardo encara Guta perplexo.

- Guta quer dizer que.......

- Eu namorei Jean Pierre sim, mas ele não é o pai de Pauline.

- O pai de Pauline.....

- É você.

          Ele gelou e teve que respirar ar puro na janela.

- Que crueldade Guta!

- Eu sei meu querido. Mas eu estava ferida, humilhada e....

- Nunca me perdoou. - ele completou -

- Até hoje não. - ela confessou - Por isso não consegui me desligar de você e seguir em frente.

- Por isso seu pai nunca fez nada comigo. Tentei falar com você mas ele nunca deixou.

- Ele tinha medo de você desconfiar ao conhecer Pauline. Com Jean Pierre ao meu lado consegui voltar ao Brasil.

- Pauline é adoravel Guta. Nossa filha é linda.

- Eu sei meu querido.

- Como vou convencê-la que sou seu pai? Ela não vai acreditar.

- Meus diários. Leiam meus diários. Ricardo eu estou vendo uma luz e papai e mamãe estão me chamando. 

- Está na hora de você seguir em frente querida. 

- Adeus meu amor.

- Até um dia Guta. 

          Maria Augusta sumiu e Ricardo correu para encontrar a filha. Como ele previra até ler os diários da mãe Pauline não queria acreditar. Os dois tiveram uma longa conversa e resolveram fazer uma longa viagem para recuperar o tempo perdido. Passando por Paris Ricardo foi até o túmulo de Allan Kardec e agradeceu por sua mediunidade. Ao sair viu Maria Augusta acenando para ele feliz.

 

 

 

 

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 26/11/2022
Reeditado em 26/11/2022
Código do texto: T7658104
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