________________DOM JUAN

 

 

A Vila entrou em polvorosa. O clima de rumores no ar contagiou o mulherio, que formigava pra lá e pra cá. Com panos na cabeça e aventais polvilhados de farinha, matronas e donzelas tinham um ar de mistério nas caras espantadas. Então ele ia chegar! Depois de anos e anos de sumiço, a novidade tomou conta dos becos e ladeiras. O que Dom Juan queria, voltando assim a Santa Maria?

 

Entre a gente aparvalhada, Henriqueta se mordia. Como estaria Dom? Tinham tido um namorico, paixão mal curada aos quatorze anos. Mas quem ali no lugarejo não tinha morrido de paixão por ele? Trinta anos depois, cabelos grisalhos e rugas, ela se consumia num surto de romantismo tardio. Voltava por ela? Depois de rodar  mundo, até morar na Espanha, teria descoberto que o amor  estava em Santa Maria? Podia ser.

 

 O trem apitou na curva. Uma revoada de saias e lenços marchou para a estação. Henriqueta chegou na frente. Dom  foi o primeiro a pisar na plataforma da segunda classe. O porte curvado intimidou: ele não queria graça com ninguém. Afundou o chapéu na cabeça, encolheu-se no sobretudo preto — apesar do calorão. De mala na mão, rumou para o antigo casarão da ponte. Nem uma palavra, nem um olhar,   sequer um ai que saciasse quem se ardia em curiosidade. Dom Juan voltava trancado em  absoluto mutismo. Que segredo traria na mala?  Só as andorinhas, escutando no fio, ficaram sabendo: "Coisa doutro mundo!" — cochicharam elas com o sino que, escandalizado, badalou em desvario sobre a Vila: dém, delém, dém, delém...

 

 

Tema da Semana: Segredo (conto)