Segredos envelhecem BVIW

Nasci e vivi em uma cidade pequena no interior de Minas Gerais. A moral cristã do Padre João regulamentava nossas condutas. Na adolescência, descobri ter um segredo que deveria ser muito bem guardado a vida toda.

Nas cidades pequenas todo mundo se conhece e, na falta de coisas para fazer , todos sabem e tomam conta de vida de todos. Todo domingo era dia de futebol. Os meninos jogavam bola e depois nadavam nus em um rio perto do campinho. Eu não jogava bola , mas me escondia atrás do barranco para vê-los nadar. Aquela visão me excitava. Uma vez roubei a roupa de um deles. Dormia cheirando estas roupas. Tinha ereções só de cheirar e lembrar dos meninos nus. Minhas preferências sexuais era segredo até para mim mesmo. Nunca tive coragem de pensar que eu era um menino que gosta de meninos. Com dezessete anos, ensaiei um namoro com uma menina. Namoramos quase seis meses e nunca toquei nela. Todos, até ela, me achavam um rapaz respeitador.

Terminei o ensino médio e a cidade ficou pequena para meus projetos. Fui cursar direito em Belo Horizonte. Foi a melhor época da minha vida. Assumi meus gostos e namorei muitos garotos. Me sentia feliz e acolhido na casa que dividia com outros amigos.

No ano passado, participei de uma Parada da Diversidade. Fui entrevistado e na empolgação do momento, falei quem eu sou e como me sinto. Lá na minha cidade todos me viram. No dia seguinte percebi a besteira que fiz: revelei meu segredo via TV e minha família soube da pior forma. A vergonha não me deixou atender ligações dos meus pais, não voltei lá e saí do grupo da família.

Até que chegou o dia do meu aniversário. Ninguém me contatou. Pensei, muito triste, que todos resolveram respeitar minha vergonha. Em casa à noite, meus pais, irmãos, tios e primos me esperavam com uma festa surpresa. Fiquei mais surpreso ainda quando vi o meu namorado participando da festa usando a minha fantasia da Parada da Diversidade.

No meio de tantos abraços, lembrei de Osvaldo Montenegro: "Quantos segredos que você guardava. Hoje são bobos, ninguém quer saber."

Márcia Cris Almeida

21/11/2022