Saulo agora chamava-se Patrick. Tinha que se acostumar com o novo nome. O mais importante: não responder se alguém gritar o nome Saulo. Essa era a principal regra para quem havia optado pela clandestinidade. A outra era sumir do mapa, deixar de existir e viver na sombra.

          Cartazes com sua foto procurado como terrorista foram espalhados pela cidade e a organização decidiu tirá-lo de circulação por um tempo. Foi levado a um aparelho em Niterói com instruções rigorosas e não sair para nada e não se comunicar com ninguém. Nem mesmo com a família. Saulo pensava no sofrimento dos pais, mas a luta era prioridade na sua vida.

          Nos primeiros dias de confinamento teve a companhia de dois companheiros que partiram para cumprir uma missão em São Paulo. Sozinho tudo foi ficando difícil. A solidão é a maior inimiga de um guerrilheiro porque não é uma escolha, mas uma imposição. Pela primeira vez Saulo questionou o sacrifício que estava fazendo pela luta Pensou no pai, na mãe, nos irmãos e em Natália seu grande amor. Lembrou dos planos que os dois faziam antes do golpe de 64: ele queria ser engenheiro, ela estilista. Iriam se casar, ter três filhos e morar em uma casa grande. Soube que Natália já era estilista e tinha sua própria loja e ele teve que largar o curso para se dedicar totalmente a luta. Chorou copiosamente de saudade. Chorou como uma criança que precisava de colo.

          O dia estava lindo, ensolarado e olhando pela janela do aparelho, ficou agitado, sem ar, um aperto no coração e resolveu sair. Tinha que sair. Precisava ver gente, respirar, dar um mergulho no mar e comer pão com manteiga na chapa tomando um pingado. De repente sentiu uma falta imensa da vida que tinha deixado para trás. Olhou ao redor, viu as pessoas seguindo suas vidas e todos pareciam felizes. Será que essas pessoas aprovavam a sua luta?

          Entrou em um bar, pediu pão com manteiga na chapa, um pingado e ouviu a conversa de alguns homens.

- Comecei a trabalhar no banco, vou comprar um carrinho, uma casa e vou me casar. - disse um -

- Fui sorteado no consórcio e vou tirar meu aero - willys - disse outro - 

- A patroa está grávida e vai ser um varão - disse outro comemorando -

          Saulo se fez algumas pergunta que nunca tinha sequer passado pela sua cabeça: Essas pessoas o achavam herói ou terrorista? De que lado elas estavam? Do governo ou do dele? Eles viviam uma vida tão normal que pareciam não se importar com a ditadura que o país atravessava. Eles não queriam ser salvos de nada. O que estou fazendo da minha vida?, pensou. Voltou ao aparelho tomando todos os cuidados e no fim do dia havia decidido deixar a luta e sair do Brasil.

 

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          20 de julho de 1969 foi o dia que Saulo escolheu para desertar. O Brasil parou para ver o homem chegar na lua pela televisão. As ruas estavam vazias. Arrumou suas poucas coisas e já sabia o que fazer: iria para a casa de praia da sua madrinha até arrumar uma maneira de sair do país. Ouviu a batida padrão na porta e abriu. Augusto entrou alegre.

- Vim assitir com você o homem pisar na lua. 

- Como estão as coisas? - perguntou Saulo -

- Nada bem. O governo está pegando forte. Semana passada quatro companheiros cairam. O Zeca estava entre eles. - respondeu Augusto triste - 

- Meu Deus! - Saulo sentou no sofá com as mãos no rosto -

- Só Deus sabe o que eles estão sofrendo Saulo.

- Para mim chega - disse Saulo levantando - 

- Como assim? - perguntou Augusto sem entender -

- Estou abandonando a luta Augusto. Vou embora.

- Você está louco? Tem fotos sua espalhadas por toda a cidade. Para onde você vai?

- Para a casa de praia da minha madrinha no interior. Depois vejo o que faço. Tenho que ser rápido. Adeus companheiro e boa sorte.

          Saulo abraça Augusto forte, pega sua pequena mala e encaminha-se para a porta.

- Saulo - chama Augusto -

- Diga.

- Posso ir com você?

- Vamos. Você está de carro né? 

- Estou e minhas coisas estão dentro.

- Então vamos companheiro. Eu dirijo. - disse Saulo alegre -

          Saulo passou na casa de sua madrinha, explicou tudo para ela que lhe deu a chave da casa e um dinheiro para ajudar nas despesas. Na televisão o homem chegava na lua e Saulo e Augusto pegavam a estrada. Como já previsto não houve nenhum obstáculo na viagem e chegaram em segurança em Saquarema.

 

*****************

 

          Elias chegou no aparelho para tirar Saulo de lá. Um companheiro ao ser torturado havia falado tudo que sabia e a polícia já estava agindo. Abriu a porta e ao ver o aparelho vazio com a televisão ligada, chegou a conclusão que Saulo já havia fugido. Tinha que sair dali também. Deu meia volta e ao chegar na portaria viu duas viaturas da policia cercar a entrada do prédio e vários policiais desceram rapidamente.

- Parado aí - gritou um policial - 

- Coloca as mãos na cabeça - gritou outro - 

          Elias ficou paralisado e em fração de segundos decidiu que não queria ser preso, ser torturado.

- Mãos na cabeça sujeito - gritou novamente o policial - 

          Duas lágrimas caíram em seu rosto e ao colocar a mão dentro do casaco um policial gritou:

- Ele vai atirar.

          Várias rajadas de bala foram disparadas e Elias caiu no chão. Um policial aproximou-se e viu que não era uma arma, mas uma foto de Elias com uma criança.

- Não foi nada pessoal. Um terrorista a menos.

          Saulo e Augusto saíram do Brasil seis meses depois para o Chile e no ano seguinte foram para Paris onde ficaram até 1979 quando puderam retornar para casa. Natália casou-se com um empresário e tornou-se uma estilista de sucesso. No aeroporto abraçaram emocionados o filho de Elias que estava com 11 anos e era a cara do pai

 

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José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 22/11/2022
Reeditado em 22/11/2022
Código do texto: T7655203
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