– Sem camarão por favor, fechado, sem nada… só os bolinhos. Brigado. – A tardinha em Lençóis muitas vezes é prateada.

Alan notou isso e sentou-se no banco, colocando o acarajé em cima do colo. A mulher veio e sentou-se logo ao lado. Ela olhou o céu… olhou a igreja… que era o máximo que havia abaixo do céu por ali. Deu um suspiro longo…

 

– Sim. Fica prateada né? – Alan perguntou com um jeito distraído.

– QUÊ?! Que é que fica prateada?

– A cidade… Fica prateada nesse horário.

– Não vejo nada disso… – Ela respondeu, mas sem tirar os olhos do topo da igreja.

– Desculpa aí. Mas, quer dizer… Mais ou menos, né. Você que veio sentando em minha zona.

 

Alan ficou a ‘quase resmungar’ sem olhar pro lado. “Ah, muito perto, muito perto…”, ele disse umas três vezes. Ela era espanhola e seus cabelos eram enormes e pretos. Sua pele parecia de madeira… Ela o encarava… de início um pouco irritada… Pronta para uma discussão, mas depois achou graça no jeito de Alan. Ele era magro, curvado, cheirava bem e suas roupas estavam folgadas “até demais”. Sua atitude de continuar resmungando, por dentro (sem parar), fazia-o parecer um desenho animado rabugento e engraçado e ela continuou olhando enquanto prendia a gargalhada que ele mal percebia. O achou estranhamente atraente.

 

– Quê mais dessa sua… “zona” que eu atrapalhei??

– Ah, eu podia falar… e só ‘eu’ mesmo e só eu que escutaria. Tipo… dá pra sussurrar, mas tudo pra si. Tendeu? Aí você veio e se sentou perto demais…

– E seu “grande pensamento” dentro dessa “grande zona da inteligência” é que a cidade fica prateada durante a tarde?

– BAH… Você tira toda a graça da coisa falando assim.

– hahhahahaa… Jogou tinta aguache? Daquelas de aula de arte…? Pintou o mundo de lápis de cor? – Alan soltou uma risada alta.

– Lençóis era perfeita e VOCÊ destruiu a beleza dela… E agora eu vou morar em… em… em breve eu descubro. o Google não funciona nessa praça.

 

Alan se levantou e a mulher ficou lá… Ele precisava mesmo partir, se não, não teria ido embora… Ela o olhava de longe, sorrindo, se divertindo… Acreditando que num dado momento Alan voltaria e se sentaria com ela; “como aqueles filmes de amor”. E a olharia nos olhos imaginando que a partir daquela ‘discussão’ ele fosse querer conversar mais e mais e mais… E ela mal ficou sabendo que Alan realmente se sentia sozinho. Mas não sempre, não todo dia. Ele se sentia só… Mas só de vez em quando… Ele se sentia “vagamente” sozinho. E ela o achou lindo. Distinto. Brilhante e autêntico acima de tudo. O rio produzia um barulho forte danado… muita chuva na noite passada. As poucas motos que se arriscavam a passar, pareciam ter sido cavalos no passado. Roncavam do outro lado da pista. “Os sapos, quando cruzam… Parecem cantar… E os gatos não. OS GATOS GRITAM!!” – Ela disse em voz alta para Alan, ainda a tempo de ele poder escutar. Alan não virou pra olhar… Sabia que uma simples virada, poderia custar seu dia inteiro… Sua vida inteira… “Mulher maluca…”, resmungou prendendo o sorriso. Virando a esquina, continuou, mas só um pouco… O suficiente pra que interrompessem:

 

“… é tão bela quanto um livro quando a gente principia…”.

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 18/11/2022
Reeditado em 19/11/2022
Código do texto: T7652888
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