__________________TSURU

 

Pela rua deserta, Lita caminhava devagar, ouvindo o eco dos próprios passos: sentia-se morta. A ideia de Raul não estar à sua espera, a fazia odiar voltar para casa depois do trabalho. Tinham sido tão felizes em outros tempos! Mas quanto tempo fazia aquilo! Girou a chave, apertou o botão da luz. O cheiro de casa fechada encheu-lhe as narinas, era difícil respirar. E nem era pelo cheiro em si, mas por lembrar do quanto aquele ambiente era diferente no tempo em que o marido a esperava: música tocando, apito de panela de pressão, barulho de água no chuveiro, cheiro de sabonete no ar. A casa agora a sufocava. Era saudade demais. Abriu a geladeira, ignorou a sopa insossa congelada. Suspirou pensando na massa recém-preparada por Raul, no copo de vinho partilhado à mesa da cozinha enquanto desfiavam entre risadas as novidades do dia.

 

Sentou-se à mesa, preferiu morder a maçã que já estava à beira de se estragar... Então viu o papel dobrado sob a fruteira. Coração disparado, segurou-o. Titubeou, teve pavor. Seria o comunicado do pedido de divórcio recebido pela faxineira? Dedos trêmulos, Lita abriu. No telegrama timbrado nos correios de São Paulo, Raul anunciava: Estou morrendo sem você. Chego amanhã. Lita não conteve as lágrimas. Lentamente foi dobrando o papel e dele fez um delicado Tsuru, o pássaro da sorte, da paz, do amor, da felicidade...

 

 

 

Tema da Semana: Folha de papel dobrado (conto)