Pelas ruas da cidade BVIW

Todo dia é a mesma coisa, ando pra lá e pra cá pedindo comida e dinheiro. Os turistas fingem que não vê e os garçons mandam a gente embora dos restaurantes. As pessoas não gostam de ver gente magra, com fome e fedendo. É ruim, lembra a miséria deles e do mundo.

Meio dia. Hora de começar fazer todos os restaurantes. Lembrei que é domingo. Dia de comer bem. Começo o trabalho: cara de passa fome, ombro bem encolhido, andar bem devagar e não olhar no rosto de ninguém. Se o garçom trata a gente mal, abaixo mais a cabeça e choro. Se ninguém olhar, faço um escândalo pra chamar a atenção. Ganho a vida aqui e sei fazer tudo certinho, sem escola. Aprendi na lida.

Hoje pude até escolher. Consegui uns restos de macarrão com camarão, um pedaço de peixe, uma quentinha com arroz e batata frita. Tive que comprar água, o garçom disse que o dono do restaurante proibiu dar água da torneira, “se um mendigo passa mal, a culpa será da nossa água”, o chefe falou. “Passamos mal não moço. Desde os cinco anos como e bebo restos de turistas do país e do mundo nesta cidade e nunca fiquei doente. Depois de comer não passo mal não. Passo mal é de frio, pneumonia, tuberculose, aborto, anemia, bala perdida, sujeira, sarna, carrapato, mas de comida não.” Não adianta explicar, a verdade é sempre deles.

Fim de tarde. Sento no banco que é a minha cama, na praça que é a minha casa. Sobrou um pouco do camarão e comprei uma garrafa de pinga. O camarão está frio e seco, a pinga é ruim, mas não tenho fome. A lua cheia ilumina toda a minha casa! Acho que hoje fui feliz. Vamos ver amanhã...

Márcia Cris Almeida

06/11/2022