Milagre ( BVIW)
O clima e a tensão próprios ao hospital revelavam-se nas paredes frias do quarto e naquela aparelhagem toda em torno dela. A mulher, internada há uma semana, fora desenganada pelos médicos e recebia tratamentos paliativos para sobrevida. A família, embora triste, já se conformava com a possível partida e, mantinha -se constante no leito, considerando cada minuto como precioso tempo de despedida.
De frente à janela era possível ver a capela do hospital, de onde, para além da tristeza, a fé emanava em cantos e preces. De fundo, badalava um sino, sempre antes da próxima celebração - um encontro ecumênico de conforto, que acontecia a cada hora, totalizando doze, entre o início da manhã e o fim da tarde.
A mulher ouvia tudo, mas já não podia se expressar e, no que já sugeria seus últimos instantes de vida, viu o dia passar em orações e badaladas. Dezoito horas - marcava o relógio - quando a médica entrou e, após onze manobras de ressuscitação em diferentes pacientes ao longo do dia, preparou-se para desligar os aparelhos. De súbito, um suspiro forte interrompeu a finitude da vida. Era a décima segunda badalada e, a mulher estava de volta, cantando o louvor que ressoava ao pôr do sol.
01/11/22