A PESCA MARAVILHOSA
Naquele começo de tarde o sol estava quente, os pescadores em seus barcos nas margens do Mar da Galiléia com os seus torsos nus, nitidamente avermelhados por causa da torreira do sol da tarde que ficava mais forte ao meio dia, mesmo os poucos pescadores que na noite anterior conseguiram pescar algo, fediam a peixe. Cheiro que André e João estavam acostumados desde que se conheciam por gente, e, eles chegaram mais animados do que habitualmente, aliás, como eles mesmos diziam, não havia ânimo para se pescar e encher os bolsos dos romanos enquanto eles mesmos passavam necessidades muitas vezes. Desta vez, eles foram longe demais, pelo menos, assim sentia Simão Bar Jonas e Tiago, irmão de João. Das outras vezes, deixaram Simão apenas zangado, Tiago nem tanto, mas desta vez, deixaram Simão mais furioso do que habitualmente estava desde que passou a tomar conta de sua sogra e não conseguia dar conta de manter a casa com o pouco que ganhava pescando. Naquele dia, Simão estava mais cansado do que habitualmente estava, também estava molhado, fedendo, apenas queria poder descansar um pouco, mas, nada de peixes e sua raiva cada vez maior. Irritadíssimo, Simão dava murros no casco do barco apenas para tentar ficar calmo, bufava, seus olhos avermelhados por conta da noite de sono perdida, isso quando não puxava o próprio cabelo preto como a noite, totalmente desengonçado e com algumas falhas dando a certeza que a calvície estava próxima. O clima estava pesado e não era de chuva, era tempestade, do tempestuoso Simão.
— Mas, que merda, heim, bando de vagabundos sem noção! – vociferou Simão Bar Jonas com uma irritação que André bem conhecia desde a tenra infância. — Por que somem? A velha Hannah está doente de novo e vocês me deixam aqui sozinho tendo que parir uma bigorna e aí me aparecem rindo que nem dois palermas. Faz uma semana que vocês sumiram. Aonde estavam? Aposto que estavam gastando dinheiro que não tem com putas e agora voltaram com esse agiota para me cobrar. Olha aqui, eu nem te conheço, mas, pela tua cara, deve ser algum agiota. Olha, aqui, eu sou só um pescador. Não sou responsável pelas merdas que esses dois aí costumam fazer.
Jesus riu da maneira como Simão Pedro falou e isso o irritou mais ainda, não que precisasse de muito para irritar aquele pescador carrancudo. André conhecendo bem o irmão e antes dele dizer alguma bobagem ao nazareno, decidiu dar um passo em frente e tomar a palavra antes que o inevitável acontecesse:
— Não, não, não tem putas e nem agiota. Sabe quem é este homem aqui?
Simão ficou em silêncio e balançou a cabeça negativamente. André sorrindo graciosamente ao irmão, disse:
— É ele, Simão. Ele é o nosso prometido salvador. Simão, nós encontramos o Messias!
Se não bastasse, Simão ficou rubro de raiva e disse a ponto de poder socar a cara de André:
— André, meu amado irmão. Desde a morte de nosso pai, tu te tornaste um vagabundo, tu não prestas para nada. Não existe homem santo. Messias? Para, irmão! Para! Sinceramente, quero que se exploda esse Messias. Eu quero peixes. Eu preciso pagar contas. Vão a merda vocês dois! Aliás, vocês três. Não, não. Vocês todos! Vão a merda! Me deixem!
Qualquer um que passasse ali, pensaria que Jesus estava alheio ao que acontecia, sobretudo, ao que Simão praguejava. Estando Jesus sentado na beira da praia admirando as ondas que iam e vinham com os demais seguidores, de fato, ele estava ouvindo os lamentos e praguejamentos de Simão Bar Jonas, ele levantou-se e foi como se fosse um velho amigo e se dirigiu até Simão.
— Está cansado, meu amigo? – perguntou Jesus.
— Amigo? Tu me conheces? Que intimidade é essa? – questionou Simão.
— Eu não sei tu, mas, eu quero ser teu amigo. – disse Jesus com uma candura que deixou Simão constrangido.
Simão estava cansado e não queria saber de brincadeiras e disse:
— Por acaso vive no mundo da lua? Amigo? Eu nem te conheço para eu te dar a intimidade de me chamar de amigo. Sabe o que eu quero? Eu quero é pescar. Quero trabalhar, ganhar dinheiro e claro, nos ver livres desses chacais romanos. Eu não sou teu amigo. Eu não quero ser teu amigo. Tu não quer ser meu amigo. Agora me deixe pescar em paz,.
Jesus riu da maneira como Simão falou, de fato, Jesus não se ofendeu, pelo contrário, propôs um desafio á Simão:
— Olha, não sei brigar, na verdade, não sou de briga, então, não se zangue. Simão, já que quer pescar, então, zarpe o barco e vamos pescar!
O ânimo na voz de Jesus, a maneira tão delicada que ele falou, tendo um ar de compaixão com o pescador, como se quisesse dar uma chance a ele, acabou deixando Simão mais irritado. Se não bastasse estar molhado, fedendo e cansado, ainda ter que aturar aquele estranho vir manda-lo zarpar o barco, Simão levou aquilo como um desaforo do nazareno:
— Está brincando com a minha cara? Vem cá, quem ele acha que é? Depois eu dou soco na cara desse bunda mole e fico por ruim na história. Não percebe que eu estou exausto? Eu trabalhei a noite toda. Olha as minhas mãos, isso aqui é calo, coisa de quem trabalha. Já sentiu a brisa que vem do mar de madrugada, o frio, a solidão? Não sei porque estou perdendo meu tempo contigo. Só pela essa tua cara de vagabundo, por acaso, tu trabalha ou já trabalhou algum dia na vida, por acaso? Não sei de onde esses imbecis me tiraram esse cara. – respondeu Simão já querendo partir para a ignorância com o gentil nazareno.
Jesus disse mostrando as suas mãos ao pescador rude que ele sabia que tinha bom coração em um leve tom de provocação à ele:
— Olha só, dá para ver os calos? É, faz um tempinho mesmo que eu não pego no pesado, mas, eu sou carpinteiro, eu sei que tu sabe o que faz um carpinteiro. Sabe o que faz um carpinteiro? Sabe o quanto é cansativo serrar madeira? Eu bem sei como é que é trabalhar usando as mãos. Cansa, machuca, é exaustivo, eu sei como é sentir isso. Sei como é ter as mãos calosas, os braços cansados e doloridos. Dormir com dor de tanto cortar madeira, levantar peso. E olha, madeira é pesada.
Jesus dá uma pausa, como se quisesse provocar o pescador:
— Agora que sabe a minha profissão e o meu nome, que tal se levantar a bunda e irmos pescar? Já estou cansando de ficar aqui falando.
— Pescar? Mas, que isso? O que um carpinteiro entende de peixes? – disse Simão Pedro curioso.
Jesus respondeu ao pescador em tom de provocação:
— O que um pescador entende de madeira? Sabe qual é a madeira do teu barco, Simão?
Simão riu, ainda que rir fosse difícil para ele, ele achou engraçado a maneira que Jesus lhe respondeu, achou que se sentiria constrangido com a maneira que o nazareno lhe respondeu, mas, não. Tiago, irmão de João estava tão cansado quanto Simão Pedro e tão furioso quanto o amigo, mas, mesmo assim, se manteve mais calmo do que amigo e sua raiva também tem seu motivo. Enquanto Simão Pedro e Tiago passaram a noite dando duro, Zebedeu estava ardendo em febre. Ao ver o irmão risonho e alheio a tudo ao redor, Tiago pega o irmão João pelo braço direito e segura-o pela nuca e ameaça bater no irmão:
— Vagabundo! Pensa que está fazendo o que desta vida? Eu e o Simão estamos podres de cansados. O pai doente em cima de uma cama passando mal, ardendo em febre cheio de problemas e de dividas para resolver e tu aí rindo igual um palerma? O sol do deserto torrou teu cérebro? É isso, João?
Simão, o zelote e Tiago Menor seguraram Tiago intervindo antes que ele desse uma bofetada em João. André vai até Simão e diz:
— Por favor, Simão, faça o que ele pede. Confia.
Tiago, irmão de João está abatido, cansado. João olha para o irmão e diz um pouco assustado com a possível reação de Tiago e Simão:
— Se eu fosse vocês, eu dava ouvidos à ele. Vocês sabiam que ele transformou água em vinho?
Simão riu e disse de maneira debochada:
— Fazer água virar vinho é fácil. Depois vira vinagre. Sabe o que eu quero? Eu quero ver fazer esse lago ter peixe. Não um, mas centenas. E também quero ver fazer eu parar de sentir dor quando eu mijo.
Tiago ri e constrangido com o que disse Simão, tenta mudar de assunto. Simão continua:
— É sério, vocês riem porque não é com vocês. Dói, dói bastante as vezes.
Na verdade, Jesus pouco liga para a falta de educação dos pescadores, ele bem sabe que aqueles pobres homens se dedicam excessivamente na pesca e poucas vezes, pescam mais do que merecem.
Mesmo exausto, Simão encara Jesus como se quisesse dizer algo ao nazareno que nem ele sabe o que. Ou talvez, quisesse ouvir algo dele. Por fim, Simão diz:
— Tudo bem, vamos zarpar, vamos levar vossa realeza para passear. Como é seu nome mesmo? – pergunta Simão para Jesus.
— Jesus de Nazaré! – disse prontamente Jesus.
Simão dá uma risada, típica dele em tom de deboche e diz ao nazareno e aos demais com seu habitual tom de deboche:
— Oh, sim, claro. Não sai nada de bom de Nazaré mesmo.
Tiago e Simão riem e fazem troça sobre sair coisas boas de Nazaré. Apesar de Simão pensar que estava ofendendo aquele homem que se disponibilizou à ajudar, Jesus dá uma risada e entra no barco.
— Vamos precisar deles. Tem algum problema se eles todos eles forem juntos? – pergunta Jesus á Simão.
Simão responde de maneira gentil, porém, com muita ironia:
— O barco é grande e vazio. Claro, coloque todos tem espaço. Vamos passear de graça pelo glorioso Mar da Galiléia. Cansar mais do que estamos. Haja braços para remar essa porcaria de barco. – se dirigindo para Jesus – Ô Messias, reza pra esse barco não afundar. Daqui á pouco vai dizer que consegue andar na água.
Jesus deu uma gargalhada da forma como Simão Pedro falou. Jesus dentro do barco, chama os demais, Simão, zeloso, Tiago Menor, Judas Tadeu, Bartolomeu, Felipe, André, Tiago Boanerges, João e Simão entram no barco. Mais adiante, Jesus olha rindo para Simão e diz:
— Vocês são fortes ou isso aí é só gênero que vocês fazem? – pergunta Jesus.
Os demais se entreolham sem entender nada.
— Agora, jogue as redes. Aqui mesmo. Rápido! – disse Jesus animado como se fosse uma criança ansiosa.
— Jogar as redes? É piada? André, João, onde vocês encontraram este excêntrico cômico? Olha, eu acho que ele provavelmente não bate bem da cabeça. Falei várias vezes que não tem peixe nessa desgraça de lago. – Simão Pedro respira fundo — Tá bom, eu vou jogar as redes. – responde o zangado e contrariado Simão Pedro.
— Vamos, Simão! Vamos! Vocês que são os pescadores, não eu. Joguem as redes na água! – disse Jesus afim de apressar os pescadores.
Simão Pedro joga as redes ao mar, deixa as redes afundarem, senta-se debaixo da vela do barco e diz:
— Olha, eu vou tirar uma soneca. Quando aparecer algum peixe, me chamem. Tomara que nenhuma gaivota cague em mim de novo.
Jesus dá uma gargalhada enquanto Simão fica olhando para as águas do Mar da Galiléia. João olha para Jesus que ri da maneira como Simão Pedro está parado. Então, Jesus se dirige até a rede e á puxa. Jesus olha para Simão Pedro parado olhando o mar e segura a rede na água.
— Simão, pode me ajudar a puxar essa rede? – pergunta Jesus.
— Claro, deve estar pesadíssima. – ironiza Simão.
— É, pode acreditar, está pesada mesmo. Os demais se importam em vir dar uma mãozinha aqui? – disse Jesus em um ar convidativo.
Jesus e Simão puxam a rede. Simão percebe que a rede está cheia e se assusta. Jesus pede aos demais para puxarem as redes. Naquela tarde, eles pescaram mais peixe do que em toda aquela temporada. Simão se retirou em silêncio à um canto do barco, onde pode admirar todos aqueles peixes ainda nas redes do barco. Jesus se aproximou de Simão e tocou amigavelmente em seu ombro. Simão disse um tanto ríspido e arrependido:
— Saí de perto de mim, sou um pecador imundo. Eu não mereço teu perdão. Falei merda, muita merda para ti.
— Não vai dizer que estava bêbado.
Simão riu constrangido:
— Não, sou assim mesmo. Eu falo sem pensar. – disse Simão mais constrangido ainda.
Jesus disse olhando profundamente nos olhos de Simão Pedro como se conhecesse aquele homem há muito e muito tempo:
— Não tenha medo, Pedro, de agora em diante, tu não serás mais pescador de peixes do Mar da Galiléia. De agora em diante, tu serás um pescador de homens.
— Pedro? Por quê? – questiona o pescador.
— Meio óbvio, não? Talvez, por que tu és forte e teimoso igual uma rocha. Estou errado? – diz Jesus sorridente.
Simão Pedro constrangido diz:
— Forte? Não sei, mas, cansado e teimoso eu sei que sou. Sempre fui.
— Também arrogante e ranzinza igual a um velho rabugento. É, eu te entendo, Simão Bar Jonas, até porque sei que no fundo é puro e gentil. Conheço teu coração meu amigo. Sei o que perdeu e sei o que pode ganhar. – disse Jesus.
Pedro curioso pergunta:
— E o que eu posso ganhar?
Jesus responde olhando fundo nos olhos de Simão Pedro:
— A paz que tanto procura. Venha comigo.
Simão Pedro ficou em silêncio no trajeto de volta para a praia de Cafarnaum. Era como se tivesse tomado um choque de realidade. Aliás, ele estava bem pensativo no trajeto, mal trocou uma palavra com os demais. Talvez, a partir deste momento, ele tentara não era tão desbocado, nem arrogante, assim ele pensava, pois, ficou pensativo em silêncio. Assim que eles desembarcaram na praia, os que presenciaram a pesca desceram gritando do barco:
— Peixes! Milhares de peixes! Venham todos ver o que o homem de Nazaré fez!
De fato, havia ali aproximadamente uns dois ou três mil peixes naquele barco. Estava atolado. Enquanto as pessoas se aglomeraram para ver o que havia acontecido, Jesus aproveitou o momento e falou ás pessoas à beira da praia de Cafarnaum, não havia tanta gente, mas, o suficiente para pararem o que estavam fazendo e prestarem atenção nas palavras do Nazareno. Era a primeira vez que Jesus ia discursar para uma multidão, ainda que, pequena, mas, sentiu que era a hora:
— Arrependam-se! O reino dos céus está próximo! No deserto, João disse á vocês que o tempo chegaria e chegou. Por isso eu digo á vocês: arrependam-se! Não tenham medo. venham até mim, todos os que labutam e estão oprimidos eu lhes darei descanso. Aceitem o meu jugo e aprendam comigo, pois sou manso e humilde de coração e encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.
Algumas pessoas ficaram curiosas. Mais pelo fato dele ter ganho a fama de ter ido com os pescadores e trazido muitos peixes do que com suas palavras. Alguns, até pensaram que era João Batista. Outros, se interessaram pelas palavras de Jesus. Era comum aparecerem pregadores dizendo ao povo se arrepender. Mas, Jesus foi o único que ofereceu àquelas pessoas algo que elas tanto precisavam: descanso.