O destino dos Abikus: Prólogo
Uma garota negra e de cabelos crespos, está correndo pela floresta. O medo está estampado no seu rosto. O terror se materializa na forma de um cachorro preto e gigante. Um grande cachorro com baba escorrendo pelos dentes. A fome é visível nele. Seu corpo é magro, suas orelhas pontudas e seu rosto é fino. É o cão da morte. Ou a própria morte pronta para levar sua nova presa.
A menina não olha para trás. Tropeça e cai por causa de uma raíz. Se levanta e corre de novo. O cachorro não corre. Caminha lentamente. Não tem pressa. O medo, o pavor e a esperança de escapar da morte o alimenta muito mais do que simplesmente matar a presa.
— Por que corre, garota? — Uma voz grossa e sombria fala. — Você é apenas uma humana fraca. Não tem como fugir.
A menina tapa os ouvidos enquanto corre. Mas é inútil. A voz está na sua cabeça.
— Sua morte é necessária. Ninguém irá te salvar de mim. Sem acordos, sem contratos. Você irá perecer hoje. Só está atrasando o inevitável.
A menina parou. Suas pernas não aguentam mais. Seu coração está batendo rápido. Cadê seus pais? Seus amigos? Sua morte é assim? Ser devorada viva por uma fera sombria e sozinha na floresta?
— "O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará." — Orou fortemente — "Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias."
— Isso não irá te salvar, garota. — A voz debochou em sua mente. — Nada irá te salvar de mim. Todos vocês estão sujeitos a mim e nada pode ir contra os meus desígnios.
— Últimas palavras! — A voz falou em sua frente. Ela abriu os olhos e viu o cão. Sombrio e diabólico como deveria ser.
— Shemhamphorasch. — A garota disse e o horror passou para a Morte. No desespero os humanos tomam decisões que jamais tomariam em outros momentos.
A garota tinha invocado alguém. Alguém que a Morte não poderia derrotar. Alguém que mandava na morte. A Morte não tinha percebido a tempo. Se tivesse, teria se apressado em terminar seu trabalho. A Morte nunca tinha esperado que um humano teria tanta audácia assim. Talvez devesse ter esperado, dado ao fato de quem era a garota em sua frente.
Débora Ferreira morreu naquele dia. Seu corpo nunca foi encontrado. Sua presença no mundo dos vivos não foi detectada. Oficialmente estava morta.
O fim veio por ela e por causa dela. Sua decisão final não afetou só a sua existência, mas o mundo todo.
Ela deveria ter morrido. Mas não daquela forma. Todos queriam ela morta. Todos os deuses e anjos. Mas a Morte não cumpriu seu dever a tempo.