O pássaro o e o gato
Era para ser só mais um dia naquele quente nove de outubro, senão fosse um fato que marcaria o fim do resto de minha sanidade, a proliferação da mancha nefasta que cobriria parte de meu coração. Naquele fatídico dia que estava eu me recuperando de minhas angústias, crises existenciais que todo homem em sua natureza sensível possuem, estava eu em uma procura precisa por algum sentido, ou fé no verde onde se põe o sol, abaixo da árvore, sentindo o orvalho em meus pés já cheio de calos, fito um passarinho negro em seu desespero por suas asas cortadas, se debatendo sozinho, e há menos de um metro, um gato cinza armado, numa postura assassina, concentrado naquela pequena ave, como se deliciasse com seu terror, numa malícia bestial, de mãos atadas me sinto impotente pois minha fobia de aves me paralisa, tento açoitar o felino, e sinto que ele rastreia meu medo,pois nem se moveu, ri de mim, lança um olhar superior com aquelas pupilas dilatadas, entronum delírio excruciante, o medo superou qualquer espécie de culpa que estaria por vir, lembro-me de O cavalo de Turim, gostaria de afagar esse pequeno animal, balbuciar mistérios em seus ossículos, sei o que me espera, remorso, incertezas, covardia, RASKOLNIKOV, egoísmo, compactação, mesmo em meu leito n°876, meu corpo inerte, meus órgãos frágeis, em minha loucura ainda tenho essas lembranças, o homem é sempre sozinho e se afogará em sua solidão, pois sua mente só ele sente, pois culpa não se divide, pobre animal.