"Liberdade"
Tarde do dia de 13 de maio de 1888.
O Rio de janeiro está movimentado com a assinatura da lei Áurea. Os jovens abolicionistas vibram! Antônio Luiz e seus amigos gritavam: Finalmente o vento da modernidade está chegando as terras brasileiras! Donos de cafezais xingavam aos quatro cantos: e quem irá cuidar das nossas terras? E aquela confusão entre êxtase e raiva foi instaurada no paço imperial.
A noite, os grupos de jovens abolicionistas se reuniram no bar da esquina para comemorar a grande vitória que tinham alcançado.
“Que grande mulher é a princesa Isabel! Que ato maravilhoso ela fez neste dia! Gerações inteiras lembraram do seu nome!” Dizia Francisco Peixoto.
“Agora poderemos progredir como uma grande nação abençoada por Deus, sem a odiosa marca da escravidão.” Bradava Augusto Pontes, elevando sua taça de cerveja.
O dono do bar entra na discussão:
“Mas será que todos esses negros libertos irão encher as ruas e buscar emprego aqui no centro? Não quero nenhum negro atrapalhando a clientela do meu bar!”
O grupo parou por um momento, reflexivo. Então Antônio Luiz falou:
“O Brasil é vasto, eles saberão o que fazer e para onde ir!”
E a comemoração continuou durante toda a noite, com muita bebida, alegria e mulheres da vida.
Enquanto isso, na senzala do senhor Gonçalves neto, a notícia da libertação foi passada aos escravizados. Aquelas pessoas choravam de alegria. Ajoelhavam e elevavam os braços aos céus, agradecendo a Deus e a Oxalá! Rapidamente começaram a juntar o pouco de bagagem que tinham para a tão esperada libertação, que estava logo a vista.
Em um canto da senzala, Naná, uma jovem escravizada de 18 anos, estava sentada e pensativa. Um flash back de sua vida estava passando diante dos seus olhos. Pensava no seu pai, que morrera no tronco, chicoteado por ter lhe defendido dos assédios do capataz, em uma fatídica noite de quinta-feira. Que pena que seu pai não pode lhe defender pra sempre! Pensava nas sombrias noites que o senhor a obrigava a ter relações. Ela odiava, se sentia suja. Como se o roçar da pele do seu patrão imprimisse nela uma fuligem, que por mais que ela se lavasse no rio, nunca se soltava de sua pele. Para suportar os terríveis momentos, durante o ato criminoso, a pobre jovem olhava para o céu e fitava uma estrela brilhante que nunca desaparecia. Em sua imaginação, era Iemanjá lhe dando forças e sussurrando que nunca a deixaria.
Naná, desde a infância, era tida como uma jovem muito esperta e astuta. Sempre sorridente, tinha a amizade de todos na senzala. Talvez pelo fato da sua mãe ter morrido no parto, todos se compadeceram da pobre criança, como se cada escravizado assumisse um papel filial em sua vida. Desde nova, teve que enfrentar a dura rotina de trabalho que a cercava. Às vezes, ao longe, olhava as filhas do senhor Antonio brincarem na varando do casarão. Uma vez, em sua inocência, perguntou a seu pai se poderia chamar as sinhazinhas para brincar. O pobre pai apenas beijou sua testa, com um olhar triste. Ela, como se inconscientemente entendesse a resposta do pai, voltou ao trabalho.
Em seu coração, ela sentia que este país nunca foi seu. Às vezes se considerava uma pessoa, outras apenas um bicho que já nascera com um dono e proprietário. Sonhava com a liberdade, mas, agora, seu coração ficava pequenininho pois sabia que em um país tão grande, talvez não houvesse um espaço de terra em que fosse querida e que pudesse chamar de seu. Será que poderia voltar a tão sonhada África que os pretos velhos da senzala falavam com tanto carinho. Sentia medo do futuro, mas a chama da esperança ardia no seu coração. Iria lutar para fazer o seu futuro melhor, da melhor forma.
“Nana? Nana! O que você está fazendo aí menina? Cuida logo pra gente sair daqui! O que é que tu tanto matuta?
Pensativa, ela não viu que sua madrinha Antônia se aproximou.
“Já vou madrinha!”
E assim, naquele dia, todos os escravizados começaram a sua grande peregrinação ao desconhecido. Com a liberdade no peito e a incerteza do amanhã.