O FETICHE DE JOÃOZINHO

João Homem Serrado, este era o nome do cidadão mais conhecido do Morro Cortavento. Vilarejo humilde situado numa encosta de montanhas verdejantes onde, João melhor dizendo, Joãozinho, costumava embrenhar-se em suas matas a procura de animais, plantas e...

Joãozinho era muito respeitado nas redondezas em especial pelas senhoras casadas, solteiras e viúvas. As donzelas o tratavam educadamente, como também o padre Jacobino, o delegado Serafim e o vereador mais votado da cidade, o senhor Vereâncio. Desde pequeno seus pais o ensinaram a respeitar os mais velhos seguindo o catecismo romano. Quanto ao respeito ele seguiu à risca, porém o catecismo perdera-se no seu caminhar.

Certa feita, dona Santinha ao colocar suas roupas no varal para secar, percebe um vulto a se esconder no meio do pequeno bananal. Preocupada, indaga quem é, não recebendo resposta adentra a sua casa num ligeiro caminhar. Afinal, ela uma viúva beirando seus quarenta anos que perdera seu marido prematuramente devido uma vida de boêmio que o infeliz teimava em manter após o casamento. Tantas promessas e juras de amor ele fizera para conquistá-la, porém as noitadas nos inferninhos da redondeza é que determinavam sua vida de casado, deixando dona Santinha solitária em sua alcova.

A sensação de estar sendo espionada repetia-se toda vez que ela se dirigia ao varal para estender suas roupas deixando-a temerosa de um possível ataque, ou algo semelhante. Num dia de novena, dona Santinha resolve comentar com suas amigas de reza o que estava ocorrendo, sua preocupação de estar sozinha sem ninguém para defendê-la...

A Solteirona, dona Virginiana também comenta que numa sexta-feira ao estender as roupas no varal, também tivera a impressão de estar sendo vigiada por algum par de olhos. A donzela Imaculada da Silva, também comenta de que num dia desses sentira a falta de um conjunto de peças íntimas do seu varal. Diante deste relato, outras rezadeiras ali presentes cada qual, criam coragem e relatam suas experiências idênticas e todas chegam à conclusão inclusive dona Santinha, de que estão sendo vítimas de alguém que gosta de roubar peças íntimas dos varais alheios. Mas quem seria, afinal? A maioria dos homens da vila são casados, outros noivos e alguns comprometidos com suas namoradas.

Dona Santinha diz que o melhor a fazer é conversar com o delegado, afinal ele representa a lei e sabe muito bem como fazer. Todas deveriam ir até a delegacia contar o que estava ocorrendo, porém as casadas se negaram a comparecer, algumas por vergonha de ter que relatar o ocorrido, outras com receio de seus maridos não aprovarem, mesmo porque a maioria das mulheres mantinham em segredo de seus maridos, noivos e namorados temerosas de que seriam mal compreendidas. O melhor seria deixar como estava.

- Já imaginaram se esta conversa chega aos ouvidos do padre jacobino, o que seria de nós, indagava dona Virginiana.

A donzela Imaculada enrubesceu-se, só de pensar na possibilidade de o querido padre jacobino vir a saber que suas roupas íntimas estavam sendo “roubadas” por um tarado, cruz credo.

Diante da negativa do grupo, dona Santinha resolve ir sozinha na delegacia relatar os fatos. Seu delegado diz estar fora de sua alçada, pois roubar roupas íntimas do varal não se considera um crime e sim um fetiche de alguém que sente tara em tal ato, seja homem ou mulher que fique bem claro. Para consolar a reclamante, delegado Serafim diz para que ela e as demais façam campana a fim de descobrirem quem é o tarado dos varais, pois assim o nomeou. Deixando claro de que se houvesse algum ataque passaria a ser um crime sexual e não mais simples fetiche de um desiquilibrado mental então ele como autoridade entraria em ação.

Na semana seguinte, no dia da novena, dona Santinha relata as demais a orientação do seu delegado, desta feita todas aceitaram a proposta e se propuseram a montar uma campana a fim de descobrirem quem é o tal do ladrão de roupas íntimas. Cada qual simulou sua estratégia, porém foram unânimes em não comentar com seus parceiros, manteriam segredo até pegar o tarado.

As novenas continuaram e ninguém havia descoberto o responsável pelo reboliço que havia acometido aquela pacata vila, pois por milagre ou não, havia cessado os “roubos” dos varais. As rezadeiras estavam felizes pela trégua do larápio, mas uma dúvida pairava no ar. Seria as rezas para Santa Rita de Cássia que afugentara o intruso ou alguém deu com a língua nos dentes, cismava dona Santinha. Por um certo tempo não se falou mais no caso, afinal fazia dois meses que os varais permaneciam “intactos”.

Joãozinho continuava suas lides diárias. Embrenhava-se na mata a caçar, colher plantas, ir à missa aos domingos, pois ele era o tocador oficial do sino da matriz. O respeito e a confiança do padre Jacobino para com Joãozinho era tanta que ele não permitia outra pessoa tocar o sino. Dizia que quando Joãozinho puxava a corda do badalo o som saía harmonioso de tal forma que se assemelhava a um grupo de querubins tocando flautas. Vez e outra ele visitava a donzela Imaculada da Silva, quando ela o convidava para tomar um cafezinho das três e provar suas rosquinhas de polvilho quentinhas tiradas do forno. A tarde se alongava em conversas, risadas e ...

Tempos depois, Joãozinho convida a donzela Imaculada da Silva para uma prosa na sua casa, pois há muito tempo ela desejava conhecer aquele pedaço de chão, que talvez um dia poderia ser seu. Ela veste sua roupa da missa, coloca na cabeça seu laço de fita vermelho e leva consigo suas rosquinhas de polvilho para Joãozinho degustar no café daquela tarde. Ao chegar na hora marcada, ela o encontra de sorriso largo e braços abertos para recepcioná-la no portão de sua propriedade. Ele a pega pela mão levando-a ao interior de sua humilde e bem asseada casa proporcionando a ela boas impressões num misto de alegria e orgulho. Enquanto suas rosquinhas aqueciam eles fazem um passeio pelo belo pomar nas cercanias da residência onde colhem algumas pitangas roxas tal qual o batom de seus lábios para se deliciarem no caminho de volta.

Durante o retorno, Imaculada da Silva fixava seus olhos no belo jardim onde rosas e jasmins, decoravam aquele local acolhedor. Pisando seus pés num extenso gramado macio, sentam-se num banco tosco no canto esquerdo onde há um pequeno córrego de águas cristalinas fazendo com que uma suave brisa passeie pelo seu corpo de jovem donzela. Mas uma cena lhe chama a atenção, ao mirar para o canto direito do terreno percebe um pequeno paiol e em seu interior um varal com roupas estendidas e entre elas, algumas peças íntimas inclusive um conjunto de cor lilás que jurava ser sua, pois tempos atrás sentira falta destas peças sendo comentado nas noites de novena. Seu rosto enrubesceu-se, seus olhos arregalaram-se provocando em Joãozinho uma certa apreensão, porém tentou disfarçar convidando-a a retornarem para casa, afinal as rosquinhas de Imaculada da Silva com certeza já estariam no ponto, para serem consumidas.

Durante o consumo das rosquinhas e um delicioso café com leite, Imaculada da Silva interroga Joãozinho acerca do que vira naquele paiol pedindo explicações, pois nem ela estava acreditando naquela situação. Joãozinho tenta explicar seu fetiche por roupas íntimas femininas independente de cor, tamanho ou mesmo tipos. Em suas explicações dizia estar envergonhado pela descoberta, pois desejava levar este segredo para o túmulo quando Deus o chamasse. Nunca pensara em fazer mal algum às mulheres da vila mesmo porque o seu grande amor estava naquele momento a sua frente. Imaginava que este fetiche era coisa do capiroto e estava decidido a conversar com o padre Jacobino para que ele fizesse uma espécie de exorcismo para expulsá-lo.

Imaculada da Silva aceita seus argumentos, porém diz estar muito decepcionada e envergonhada, afinal o homem que um dia ela sonhou ser o seu grande amor é um na verdade um desequilibrado mental. Ela comenta que dona Santinha com o aval das rezadeiras conversaram com o delegado Serafim acerca do que estava acontecendo e ele as orientou que fizessem uma campana para pegar em flagra o tarado dos varais, como ele fora denominado por todos.

Enquanto a conversa fluía as rosquinhas de Imaculada da Silva perdiam sua temperatura, o leite esfriava, a relação findava. Joãozinho achou por bem mudar-se para outra cidade. As rezadeiras sentiram-se libertas do tarado do varal. Os maridos, noivos e namorados não tomaram conhecimento do acontecido e a vila nunca conhecera a identidade do larápio, exceto a Imaculada da Silva que estranhamente uma ou duas vezes por semana viaja a uma cidade vizinha entregando suas rosquinhas. Quando as rezadeiras perguntam a ela o motivo destas viagens, Imaculada da Silva responde de que se tornou uma empreendedora e suas rosquinhas são bem aceitas naquela cidade...

Valmir Vilmar de Sousa (Vevê) 14/10/22

valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 15/10/2022
Código do texto: T7628039
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