A Mensagem

            O relógio marcava sete e quinze da noite quando Ricardo desceu do carro e posicionou o triângulo indicando que havia enguiçado. Não era a primeira vez que o veículo quebrava justo na ponte Rio-Niterói, mas da vez anterior o ocorrido foi durante o dia e Ricardo não vinha de uma jornada tão absurdamente desgastante.

 

Quando acordou pela manhã, jamais poderia imaginar que seu dia natalício pudesse ser tão repleto de antagonismos. Por consequência de um trânsito exageradamente lento, gastou quase três horas e meia para chegar ao trabalho, o que significou duas horas e meia a mais do que costumeiramente gasta. O engarrafamento tinha como causa um grupo de estudantes universitários de determinada universidade pública. Estes, com seus cabelos coloridos, bandeiras vermelhas e camisas com a estampa do Che Guevara na frente e da folha da maconha no verso, protestavam em favor da legalização da erva no país. Exatamente em uma das vias mais movimentadas da região.

 

Quando finalmente conseguiu chegar ao trabalho, teve um dia nada promissor. Na verdade, vinha de uma sequência de meses em que não conseguia passar nem perto de bater a meta. Quando sentou para almoçar, recebeu o telefonema de um cliente com quem vinha tentando fechar negócio há uma semana. Achou que finalmente fecharia, mas o homem ligou para informar justamente o oposto. Aparentemente sua esposa, que inicialmente parecia a mais interessada, havia declinado. Ricardo perdeu a fome. Deixou a comida pela metade.

 

No final do expediente, seu chefe o chamou em sua sala para uma conversa nada animadora.

 

– Não sei o que está acontecendo, Ricardo! Já faz meses que vem apresentando resultados cada vez piores. A direção está no meu pescoço. Infelizmente preciso te dizer que, caso não bata a meta este mês, será desligado da empresa. Saiba que não é nada pessoal…

 

Ricardo ficou até mais tarde na tentativa de fechar algum bom negócio, mas o que teve foi mais um dia decepcionante. E agora estava ali, às sete e quinze da noite, enguiçado no vão central da Ponte, aguardando um reboque que não sabia quando chegaria. Os carros passavam o tempo todo, porém em alta velocidade. Ninguém ousava parar para oferecer ajuda e ele não os julgava por isso. Sabia que muitos receavam que aquilo fosse algum tipo de golpe, e que os outros simplesmente não se importavam mesmo.

 

Debruçou na mureta e olhou para baixo. A escuridão era assustadora. De súbito, um pensamento obscuro invadiu sua mente. Poderia simplesmente pular e acabar com tudo aquilo. O seguro de vida deixaria sua família numa situação mais confortável e ao mesmo tempo poria termo àquela vida de constante malogro. Mas o pensamento o fez sentir uma espécie de nó no estômago. E se não morresse? E se fosse resgatado com vida, mas num estado em que não pudesse mais trabalhar? O tiro sairia pela culatra e sua família estaria em apuros. Não obstante, olhou de novo para baixo e teve certeza de que era impossível sobreviver a uma queda daquela. Seria como saltar de um prédio com mais de vinte andares. Subiu na mureta e quase perdeu o equilíbrio por causa do vento. Naquele momento uma mensagem chegou ao seu smartphone. Por algum motivo decidiu olhar quem era, antes de pular. Olhou. Era um áudio de Jane, sua esposa. Ouviu o áudio. A voz era a de André, seu filho mais novo de apenas quatro anos.

 

– Papai, por que está demorando tanto? Está todo mundo aqui te esperando! Até o vovô e a vovó estão aqui também pra sua fest…

 

Alguém deu uma gargalhada, tirou o telefone da mão do menino e em seguida apagou a mensagem. Mas Ricardo usava a versão hackeada do aplicativo de mensagens e por isso podia ouvir mesmo aquelas que foram apagadas. Seu telefone tocou…

 

– Era para ser surpresa, mas como seu filho linguarudo já nos entregou… onde está, querido? Estão todos aqui: seus pais, sua irmã…

 

– Temo que eu vá atrasar um pouco, querida… – disse ele... os olhos banhados em lágrimas. Seus pais e irmã não visitavam-no há algum tempo, pois moram numa fazenda no interior do estado.

 

Ricardo desceu da mureta.

 

– Não me diga que o carro quebrou de novo?

 

Enquanto Jane falava, um veículo encostou atrás do carro enguiçado de seu marido e, antes que ele respondesse a pergunta da esposa, o ocupante gritou:

 

– Precisa de ajuda, amig… – o homem arregalou os olhos.

 

– Ricardo?! É você, cara?

 

–Rubens?! Rapaz… há quanto tempo!

 

Ricardo e Rubens eram amigos de infância e estudaram juntos até o final do ensino médio. Depois disso, acabaram se distanciando por motivos que eles não saberiam explicar. Viram-se poucas vezes desde então. Porém, sempre que se encontravam, parecia que tinham se visto na semana anterior.

 

Ainda antes de responder sua esposa, que ainda aguardava na linha, e enquanto Rubens descia do carro, o reboque da Ecoponte, concessionária que administra a via, encostou na frente do veículo enguiçado. Ricardo explicou rapidamente a Jane o ocorrido. Em seguida, enquanto o motorista do reboque providenciava a remoção, bateu um papo com seu velho amigo.

 

– Cara – disse Rubens –, acredita que hoje passei o dia todo pensando em você? Como estão os negócios?

 

– Já vivi dias melhores! – Ricardo deu um longo suspiro. – Mas e você? Virou mesmo programador da Microsoft? – continuou, apontando para o carro de quinhentos mil estacionado atrás do seu.

 

– Já vivi dias piores! – Ricardo deu de ombros. – Mas não… não programo para a Microsoft, faço algo muito mais interessante e que me dá um bom rendimento e tempo para curtir a família e a vida. Por isso passei o dia pensando em você. Pronto para ganhar muito dinheiro de forma honesta e ainda ter tempo de sobra?

 

Ricardo não pôde responder na hora. Queria, mas a emoção não permitia. Seus olhos transbordaram e as lágrimas principiaram a banhar-lhe o rosto enquanto em sua tela mental passava o filme de todo aquele dia. Rubens teve a sensibilidade de deixar o amigo à vontade para falar quando estivesse pronto. Não conhecia a história, mas sabia que havia uma e que ela certamente era dura.

 

– Neste momento está acontecendo uma "festa surpresa" lá em casa pra mim. Não quer ir comigo e conversamos sobre isso? – disse Ricardo, enxugando os olhos com a manga da camisa.

 

Quando Rubens e Ricardo chegaram a casa, este último emocionou-se mais uma vez ao ver toda a família ali reunida. Olhou incrédulo para o rapaz ao lado de sua irmã, que deduziu ser seu namorado, já que estavam de mãos dadas. Sempre acreditou que ela, com o gênio horrível que possui, jamais encontraria alguém capaz de aturá-la. Mas estava feliz por haver se equivocado. André, o filho caçula que lhe havia salvado a vida através daquela mensagem inocente, ao ouvir a voz do pai disparou ao seu encontro...

 

– Feliz aniversário, papai! Fizemos uma festa surpresa pra você! Não contei pra ninguém!– em seu rosto havia um sorriso angelical...

Netokof
Enviado por Netokof em 14/10/2022
Reeditado em 13/03/2023
Código do texto: T7627519
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