Das Escolhas

Era um dia nublado, quando resolveu se despir dos medos, deixar pra trás alguns pedaços de si e ir pro mundo em busca de uma paquidérmica utopia. Se desarmou total e completamente. Andou muito, venceu demandas, escolheu caminhos, traçou novos rumos, achava as flores, árvores e tudo o mais que rodeava o caminho de uma beleza indizível.

Escolheu a trilha mais cansativa, que mais trazia riscos, mas ainda é a que acha a mais linda e pensava que seria a única que a levaria a realizar o arrebatamento que a acompanhava há anos. Pouco se importava quando alguma pedra lhe entrava nos sapatos, ou galhos e espinhos feriam a pele ou a carne.

Levantou de muitas quedas e nem percebeu os pedaços de si que deixou enquanto colhia florezinhas miúdas e frutinhas amargas, que lhe pareceram frescas e dulcíssimas naquele estado de embevecimento em que se encontrava. Na verdade estas eram as únicas coisas que aquela estrada tinha a oferecer, mas nunca antes percebera aquela vaziez de vida.

Depois de muito andar; de esperar companhia para seguir; de muito ouvir o silêncio ao redor, que até tentara quebrar com aquelas florezinhas ordinárias e oferecendo as poucas frutas doces que conseguira colher; de retirar do caminho plantas que lhe pareceram daninhas; chegou à parte da estrada, onde aquela pequena trilha acabava.

À frente, só um abismo. Por todos lados, nenhuma trilha possível de entrar, pois não tinha nada nas mãos que abrisse um novo caminho. Percebeu enfim que daninhas eram aquelas flores, frutos, espinhos e galhos cujas marcas ainda estão ali escarifadas na pele e no cérebro e que quando faltou-lhe lucidez, achou que eram a melhor escolha. Foi feliz enquanto isso durou.

Sem saída. Sem estrada. Sem fé em si ou nos outros. Sentou-se então no primeiro lugar que conseguiu à frente daquele despenhadeiro e pensou o quão abismo era ela mesma por dentro, ao ter se livrado de pontes e caminhos que não a deixariam ao ponto de cair onde estava naquele momento.

Agora está ali, estática e olhando o horizonte, mesmo sem nada enxergar. Calcula como vencer aquele abismo, já que não se dará o direito de ser tão burra ao ponto de retroceder outra vez. Doravante negará até o fim das forças retroceder, mas também já sabe que não poderá ficar por ali, criar raízes nem nada assim, então olha há dias o sol nascer e ainda está acordada quando ele nasce novamente...