Insone, só
Só e sem sono, olhei pros sonhos que me espreitavam calados e eles, ao ver minhas repentinas lágrimas molharem a madrugada em silêncio, caíram também em pranto, me olhando mudos, parecendo querer me dizer o quanto lamentavam... E só e sem sono, eu lamentava também. Não por nada especificamente. Apenas lamentava, como aquelas ladainhas que as beatas repetem tristemente segurando seus rosários. Calada, teci as minhas lamentações sem entender exatamente porque o fazia. Apenas lamentava sem me deter em um motivo qualquer de dor...
Quase ridícula, pensei que tinha conseguido convencer a mim mesma que minha escolha era a solidão, mas ao contemplar meus sonhos chorando por mim, refuguei a realidade de que dispunha. Quis atirá-la pra longe, mas ela insistiu em me fazer companhia me assegurando que eu não posso fazer nada. Exceto aceitá-la e seguir pensando no que Clarice diz da indignidade de seguir adiante, quando não se acredita mais em si mesma. Sendo assim, deixei a noite seguir adiante com minhas lágrimas rolando, um tambor rufando em meu peito e a realidade a me esmurrar a face molhada das lágrimas que deixaram de escorrer cândidas e passaram a jorrar violenta enxurrada de lamentações inúteis.
Medo e solidão por companhia, vaguei pela tv sem me deter nas imagens e sons que se sucediam a cada "zap" em meu controle remoto, pensando que esse talvez seja o único controle que eu posso ter. Só. Sem sono. Olho pela janela e vejo que essa noite segue, sem estrelas no céu. E eu, sem um sentimento exato, pensava que flores poderiam brotar em meu estômago para dar pouso àquela sensação estranha de achar que tinha borboletas me voejando as entranhas.
Não enxergava nada, apenas vagava por imagens sem tempo e sem sentido que se projetavam em minha frente como hologramas, enquanto eu permanecia fitando o nada sem emitir nenhum som e nem esboçar nenhum movimento. Parada. Inerte e com uma sensação que denominei de "impermanência". Pensava em ritos de passagem, como os aniversários e lamentei mais uma vez não poder comemorar muita coisa naquele momento de solidão insone.
Desliguei a TV pra tentar ouvir música, mas senti em meus ouvidos uma espécie de agonia que fez com que qualquer coisa me soasse insuportável. Acho que a solidão mais ciumenta de todas me quis pra si possessivamente e tomou conta de minhas vontades. Eu então apenas assenti e me deixei chorando na janela do quarto, lamentando tanta coisa e nada ao mesmo tempo, que até meus sonhos quiseram parar de chorar pra tentar me consolar de alguma maneira, mas ao me olhar de novo, choraram compulsivamente.
Me agarrei a eles e assim espalhados, choramos juntos aquele choro dolorido, estrangulado... tentei não dar adjetivo algum ao que eu estava sentindo naquele momento, mas o verbo "frustrar" parecia conjugar meu nome em todos os tempos. Pensar também doía, então eu chorei mais e mais, agarrada a sonhos desfeitos e inertes que pareciam rogar que eu nunca os julgasse pesadelos. Prometi-lhes que seriam meus sonhos e que mesmo doendo por tê-los, não desistiria deles...