Não tem língua! – conto liliputidiano

Capítulo 1

Abro a caixa de correio, e vejo, surpreendida, um pequeno embrulho. Sensivelmente, do tamanho de um postal ilustrado.

Viro e reviro o embrulhinho: surpreendida, vejo que vem do Brasil.

Capítulo 2

Já em casa, abro o pacotinho. Segunda surpresa – é um livro!

Um livro pequenininho, dimensões de um postal ilustrado.

Contém contos, igualmente de muito diminuta dimensão – alguns, nem sequer ocupam meia página.

Caracteres gráficos, igualmente minúsculos.

Capítulo 3

Primeira interrogação:

Um livro do Brasil?! Por alma de quem?! Só conheço dois ou três Amigos e Amigas no imensíssimo Brasil... Quem é este desconhecido que sabe o meu nome, e mais – a minha morada?

É coisa para detective!

Capítulo 4:

Folheio o minúsculo “escrito” (1). Procuro uma indicação, uma nota, uma explicação, qualquer coisa... Já não digo uma “dedicatória”, mas qualquer tipo de apresentação.

Depois, penso:

Como o livrinho é tão pequerruchinho, provavelmente, não cabia nenhum tipo de recado nestas paginazinhas... Aliás, quem escreve bem ao computador, já desaprendeu da escrita manuscrita.

Então, calmamente, raciocino:

Devo ter algum mail... Oh, não, que ideia – no séc XXI! – deve ser alguma mensagem no FB...

Capítulo 5:

Intrigada, fico a perguntar-me – Quem será este autor?

Depois, serenamente, digo comigo: O Brasil é enormemente grande! Como poderia eu conhecer todos os nomes de todos os escritores brasileiros?!

Capítulo 6:

Sento-me ao computador. Vou pedir ajuda ao sapientíssimo GOOGLE. Vai ser ele o meu detective!

Capítulo 7:

Lá está ele! Deve ser jovem. Jovem, isto é, deve ter idade para ser meu filho. Mais ou menos.

Ah bom, tem vários cursos. Deve ser muito inteligente. Sim, está certo. Se fosse meu filho, também seria assim inteligente. Para se poder aplicar o ditado – Tal mãe, tal filho.

...

Muito bem, já percebi. É amigo de uns amigos meus. Prontos, enigma desvendado.

Capítulo 8:

Procuro o nome do dito escritor no FB. Lógico! Devo enviar-lhe uma mensagem, descansar-lhe a alma, dizer-lhe que o embrulhito não se perdeu pelo caminho, não caiu ao mar!

E agradecer, está claro!

E escrevo uma mensagem efusiva, agradeço efusivamente, foi uma surpresa... surpreendente!

Capítulo 9:

No dia seguinte, como é de prever, vou investigar se haverá alguma resposta no FB!

...

Não há nada.

Penso: o Fulano deve ter muito que fazer. Espero até mais logo, até à noite. É compreensível. Professor universitário, deve ser muito atarefado.

Capítulo 10 - Epílogo

Já lá vai uma semana.

Ou serão duas?

A criatura não me responde...

Quando, na minha longínqua infância, as criancinhas, envergonhadas perante os amigos ou amigas dos pais, não respondiam aos adultos, a coisa fiava fino: abriam-lhes a boquinha à força e inquiriam com arrogância:

– Então, o menino – a menina – perdeu a língua?! Que coisa feia!

De modos que eu, que sou da geração dos alfonsinos, arrumei o livrinho, muito bem embrulhadinho no embrulhinho de plástico dos correios do Brasil – arrumei-o na prateleira da literatura brasileira. Que mais podia eu fazer?

Não vou perder o meu tempo com um autor que não tem língua!

*********** Nota:

(1) É feio repetir palavras. “escrito” pode ser sinónimo de “livro” - depende do contexto.

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Myriam Jubilot de Carvalho

11 de Outubro de 2022

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Myriam Jubilot de Carvalho
Enviado por Myriam Jubilot de Carvalho em 11/10/2022
Reeditado em 12/10/2022
Código do texto: T7625461
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