O Locador de Ilusões (Um conto sobre o amor ao trabalho)
Um conto sobre o amor ao trabalho.
“Sempre irás reclamar de tua função enquanto não a fizer com o coração"
Em casa ligou a TV e o DVD feliz por chegar de mais um dia de serviço, de diversão. Encontrou prazer e paixão na função que exercia, costumava dizer que era um locador de sonhos e ilusões, mas na realidade era um simples atendente de uma vídeolocadora.
Desde novinho sempre soube o que iria ser quando crescesse e repetia isso aos quatros ventos a quem quer que perguntasse , fossem seus familiares ou os amiguinhos da pré-escola queria ser fabricante de sonhos. Bem não eram exatamente essas as suas palavras, pois era criança e não sabia explicar essas coisas de sonho e ilusão, mas apontava maravilhado com sua mãozinho para a telinha de TV ou para a telona do cinema, imaginando como alguém podia reproduzir imagens como as que pensamos em nossa cachola.
Seu vovô, sabendo do fascínio dos netinhos pela sétima arte e também da admiração sentida por ele mesmo presenteava nas festividades as duas crianças, no caso ele e a irmãzinha com idas ao cinema para assistirem filmes infantis. Na época até sentia certa inveja dos carrinhos e das bolas ganhadas pelos coleguinhas , mas hoje, já homem adulto sentia-se profundamente agradecido pelos momentos de encanto e magia que o saudoso vovô tinha lhe proporcionado na infância.
O pai queria que fosse advogado e a mãe que fosse doutor, mas contrariando a ambos seguiria os passos do avô de quem herdara declínio para as artes e consequentemente o desejo de fabricar ilusão.
Na juventude matriculou-se em um curso de animação e desenho fazendo jus a um talento nato para a arte de ilustração e pintura. Logo se desinteressou por perceber que se tratava de um processo muito lento em que, às vezes, por apenas alguns minutos de duração é preciso trabalhar meses a fio. Como todo jovem, tinha ansiedade por resultados rápidos.
Para vestibular, encaminhou-se a contra gosto dos pais para a publicidade, estava convencido de que assim fabricaria ilusões, venderia os sonhos de que tal produto é bom e que o comprando sua vida será melhor. Era a magia dos negócios. Já no primeiro ano estava convencido de que jamais seria medico ou advogado, pois segundo seus critérios ambas as profissões viviam à custa dos problemas alheios, pois enquanto houvesse uma doença ou uma discussão eles teriam emprego.
Por infelicidade e inúmeros problemas financeiros, tanto ele como seus pais não podiam custear seus estudos e assim teve que desistir do curso. No inicio do segundo ano trancou a matricula e nunca mais voltou.
Aventurou-se por empregos dos quais não sentia qualquer empatia. Afastou-se do seu caminho tendo que colocar os pés no chão e dinheiro no bolso. Até finalmente se encontrar no exercício da atual função.
Jamais se imaginou trabalhando com o publico, sempre fora muito tímido e reservado, mas descobriu naquele universo mágico a alegria de passar, catalogar, vender e emprestar sonhos para pessoas que assim como ele adoravam uma bela historia e mergulhavam em um mar de emoções que só as imagens podem explicar.
Conhecia o ditado que diz que uma imagem vale mais que mil palavras, descobriu tardiamente uma retificação de que uma imagem em movimento valia muito mais, ele mesmo tentando ganhar dinheiro com seu dom e pintando paisagens sabia que uma imagem estática não atraia o reconhecimento e prestigio merecidos pois poucas sãos as pessoas suficientemente sensíveis que pagam por um quadro o justo valor que ele tem.
Atendia há todos muito bem, tinha entusiasmo pelo que fazia. Explicava detalhes de cada ilusão que locava, sabia de cor as cenas, o elenco, a direção, os prêmios, enfim tudo sobre cada filme, de cada prateleira.
Considerava um desrespeito desvalorizar o trabalho dos “fabricantes de ilusão” e por isso tratava com total respeito os clientes que entravam em sua locadora, sabia que eram pessoas que davam o devido valor aos títulos e não incentivavam a indústria da pirataria.
Saia da própria rotina, ou a fazia, já nem sabia, quando chegava em casa com um lançamento e se transportava para uma vida de magia, ação, aventura, suspense, comédia ou drama. Em cada filme um novo sentimento, a nostalgia, ideologia ou perspectiva de um futuro ainda incerto. No sofá ele vivia inúmeras vidas sem, contudo se distanciar da sua. Conhecia de tudo um pouco e construía sua cultura.
Subiu os créditos, desligou o DVD. Amanhã recomendaria aos clientes e amigos mais aquele lançamento, ou melhor, aquela passagem para a ilusão.