“A LÍNGUA DESCONHECIDA DA PAZ”

Quarta-feira passada seria um dia comum. Melhor dizendo: um dia de quarta-feira comum. Quarta era dia que passava futebol na televisão do bar. … Não, não nos importávamos com futebol, apenas abraçávamos o “evento” e nada melhor que um evento para termos uma desculpa de ir pro bar, assim no MEIO da semana. Estávamos na faculdade… Alguns começando, outros não; e uma cabeça de quem ainda nem sabia direito como seria a eminente vida de adulto trabalhador. Na verdade todos os dias tentávamos inventar um “motivo/desculpa” para nos encontrarmos ali, pois ainda tínhamos demais aquele impulso adolescente de estarmos sempre nos divertindo. O futebol bem que ajudava… sentávamos sempre, eu (Jean), Diego, Gilson, Lenny e Ana Lívia; Ficávamos ali sentados e éramos mais atualizados sobre nossas novidades, medos, sonhos, desistências e sucessos que nossos pais e irmãos…

– Olha o Gilson… mais uma vez.

– Ele tá casado? Ele sempre trabalha muito..

– Não sei como um ser humano consegue dormir sentado com a cabeça pra trás, e dormir TÃO BEM! Olha a carinha dele, dormindo, gente! Nesse barulho!! – Disse Ana Lívia às gargalhadas.

– Não sei se é só cansaço. Ele anda meio esquisito assim, há dias…

– Isso é verdade. O cara quase não abre a boca, já viu??

– ÉÉ, ele chega aqui, fica completamente mudo, ouvindo nossas conversas, aí então, dorme! Parece meu avô!

– hahaha ahhh gente deixa ele…. Ele trabalha longe, deve deixar ele exausto mesmo…

Levamos ainda umas três noites seguidas indo lá e Gilson continuava daquele jeito, alguns se incomodavam bastante, outros não dava a mínima. Mas nesta terceira noite… tudo mudou.

Vimos um carro importado parar cantando pneu na frente do bar. Desceram uns quatro playboys daqueles bem caricatos, não se por preconceito se por verdade: fiquei querendo ir embora dali. Falavam aos berros e pareciam ter tomado cerveja mais (ou coisa pior) um coisa que aprendemos logo, é que briga de bar tem que ser antecipada e evitada ao máximo. Pois nunca terminam bem e acabam estragando a noite de todo mundo. Os caras dançavam com suas namoradas em volta do carro, um carro cujo fundo era todo tomado de caixas de som. O gosto musical? Esqueça. Estávamos um pouco distante deles… mas de repente um deles começou a gritar com a namorada. Ele berrava na cara da garota como um animal enfurecido. Me virei pros meus amigos e disse..

– Velho… esse cara vai acabar batendo nela, vai ser horrível!!

– ELE QUE TOQUE NELA, que eu já vou de garrafada. – Disse Ana Lívia.

Gilson bocejou e se espreguiçou, como quem se levanta duma rede, calmamente como quem estava num spa. Nos levantamos também aquela coisa toda estava prestes a sair do controle. Começamos a nos arrumar pra sair, mas Gilson foi além. Calmamente foi andando na direção daquelas pessoas. Chegou perto deles e disse: “olá…”.

– SAI FORA, IDIOTA, NÃO TEM NADA DE SUA CONTA AQUI!!! SAI!! VOLTA PROS SEUS AMIGOS!!

– Você vai bater nela? Ela não é sua namorada? – Nós começamos a gritar de longe “Gilson!! Sai daiii!! Esse cara deve estar armado cara! Deixa pra lá!

Todo na rua e no bar estavam super-atentos, então… o que Gilson fez em seguida, posso afirmar com certeza absoluta, que não foi nenhum delírio de minha parte. Um monte de viu o que ele fez… embora, não saibamos exatamente COMO ele fez.

– Posso te dizer só uma coisa? Por favor? – Gilson então se aproximou do cara (que nesta hora já estava disposto a: não “só” bater na namorada, como em todas as pessoas presentes à começar Gilson.

Todos vimos… todos vimos a cena. Gilson sussurrou algumas palavras no ouvido do homem. E quando Gilson se afastou dele… Ele era outro homem, pra sempre. No incio ele se afastou, encarando Gilson, fazendo a mesma cara que uma criança faria tomando uma injeção pela primeira vez. Encarou Gilson por um tempo, de boca aberta… E tudo o que ele tinha em mãos (Chave do carro, latinha de cerveja, e UMA FACA) foram ao chão. Ele balançava cabeça olhando nos olhos do meu amigo como quem diz “sim, sim… é verdade…”, e depois disso pôs-se a chorar. Virou para a namorada e disse “eu não te amo… e você não me ama”, “eu quero que vocês seja feliz, não tenha medo… se quiser ir embora, não tem problema, eu juro que não foi te procurar… juro que não vou mais fazer as coisas que fico fazendo… me perdoe, por favor!”. Se aproximou da garota, pegou nas mãos dela e a olhou dentro dos olhos; “Acabou… Me perdoe, eu não vou mais te perseguir.”. A menina que estava parada, dura e tensa como uma estátua, também começou a chorar… Eles se abraçaram ternamente. Ela fez sinal para um táxi e se foi… Ele se virou pra Gilson mais uma vez e deu uma leve olhada pra nós, também. Deram-se as mãos os dois e o cara voltou a chorar.

– Cara, você tá vendo esta cena?

– Eu… Eu não tô acreditando…

– O que será que Gilson disse pra ele?

– Cara, não sei… Mas… Parece um super poder!

Gilson voltou até nós e se sentou. Já foi sentando daquele jeito de que ia simplesmente se encostar numa cadeira e cochilar… Eu peguei uma cadeira e puxei para perto;

– Gil… o que você fez? O que vê disse pra ele??

– É a língua perdida da paz e do amor. Encontrei algo sobre ela numa biblioteca…Então trouxe pra casa e estudei por alguns dias. Não era um texto grande.

– E CADÊ ESSE NEGÓCIO.

– Desculpe meu amigo. Se muitos souberem essa língua. O planeta perde o seu balanço e aprendizado natural. E me diga uma coisa, você que é um cara inteligente, amigo: O que acontece quando um grande poder, passa a ser acessado por muitas pessoas… ? Me diga.

– Humm… alguém acaba dando um jeito de usar pra fazer o mal… Pra se beneficiar sozinho… Ou… para dominar alguém.

– Exatamente…

Fiquei sentado ao lado do meu amigo, que agora eu fazia um grande esforço para continuar vendo assim… apenas como meu amigo de infância. Mas no fundo eu pensava na capacidade que aquilo tinha, aquela frase que só ele sabia dizer… Me fazia perguntas: “Ele vai usar outra vez?… acho que sim, acho que sim.”, “Ele usará em mim?”, “Minha nossa senhora o que fez ali…!!!”, “Temos um novo Jesus…? Eu serei amigo do NOVO JESUS?!!”

Meus outros amigos chegaram e sentaram ao meu lado, todos calados, encarando Gil, e relembrando a cena surreal de minutos atrás. As pessoas que estavam de passagem e viram, ficaram de longe encarando estupefatos. Provavelmente todos se fazendo as mesmas perguntas… Enquanto Gilson já estava ali, cochilando com a cabeça pra trás na cadeira… como se nada tivesse acontecido.

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 18/09/2022
Código do texto: T7608461
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