Deus Lhe Pague!
Deus Lhe Pague!
Sentado na raiz da velha Cajazeira, com inúmeros boletos em mãos, ele chama Miguel...
- Senhor...
- Miguel, vou estar fora por uns dias, e, quero que tome conta daqui.
- Ok, quer escolta?
- Não é preciso... Vou à terra ver como vão as coisas de perto, será rápido!
- Tudo bem, estarei de olho até o senhor voltar...
Assim, ele pega sua carruagem particular rumo a tão aclamada terra, sentia-se como uma criança, pronta para receber o brinquedo que tanto pedira no natal.
A pedido de Miguel, dois anjos, seguiram a carruagem até o meio do trajeto, acenaram e retornaram...
Por se tratar de uma nave comum aos olhos humanos, porém, nunca visto de perto, resolveu aterrissar longe das vistas dos queridos filhos, caminhou no deserto por horas, lembrando da bendita insanidade, a de ficar quarenta dias, quarenta noites naquele inferno, com a desculpa esfarrapada de fugir da tentação... E, ... que tentação era Magdalena.
Voltando a si, naquela realidade tão conhecida, quanto nova, à beira daquela estrada, passou um caminhoneiro, deu-lhe uma carona até o centro,chegando lá, agradeceu o rapaz, que logo falou...
- Deus te acompanhe!
Ele sorriu, e, no seu íntimo dizia:
- Ele nem desconfia...
Caminhando pela calçada, ouvia pessoas usando seu nome em vão, para o que fosse pertinente, passou por algumas lojas, indo até a padaria, lá, estava na vitrine um velho conhecido de seu filho... O pão nosso de cada dia...
Pediu um de batata para experimentar, o padeiro falava sobre Jeová, sobre dízimos e da igreja, ele, por suas vez, achou tudo interessante e com certeza muito hilário, eis que o padeiro não obtinha nenhum conhecimento sobre as suas vontades de fato, apenas conjecturas falsas e promessas vãs... Preferiu então não pactuar do debate e saiu...
Continuou sua caminhada, acenando para alguns, desejando bom dia a todos, alisando todo animal que vinha em sua direção, então, parou frente a um bar para observar a turma, entrou, pediu uma água tônica com gin... Enquanto bebia, ouviu a seguinte expressão:
- Deus, lhe pague.
Era um bebum que tinha pedido uma caninha, como estava sem o valor total, pediu para o barman lhe vender assim mesmo, agradecendo...
Eram tantos "Deus lhe pague." que resolver intervir...
- Desculpem...
Todos olharam de forma estranha aquela figura.
- O que pensam que estão fazendo?
Por que porra vocês não pagam o que deve, em vez de me dar este fardo?
Todos no recinto começaram a rir, fazendo chacotas e menosprezando o forasteiro, sim, esse foi um dos tantos títulos concedido a ele.
- Quem ele pensa que é, Deus... Kkkkkkk.
Ele, um homem franzino, com olhar profundo, barba mal feita, bateu o copo no balcão e saiu blasfemando:
- Agora sei por que vem tanto boleto de bares, serviços, entre outros... Estes infelizes compram, pedem, e, manda a conta para mim...
Pensando nas tantas contas, nos tantos filhos que contrairam dividas em seu nome, da mais irrisória até a mais cabulosa, pensou:
- É impossível, que, no meio desta merda toda, não haja um filho de "Deus", com caráter suficiente para contrair e pagar tais dividas...
Foi quando algo chamou sua atenção... Um jovem de Bike passando pela rua em direção ao teto emprestado, pois, a casa era da companheira, avistou um senhor que tentava da melhor forma acoplar sua muleta na bicicleta, esse rapaz parou, prestou-lhe ajuda, logo o senhor falou a velha frase:
- Obrigado... Deus lhe pague.
E, o rapaz retrucou...
- Não senhor, nada disso... Não coloque Deus nesse meio...
- O quê?
- Isso mesmo, vocês tem a péssima mania de contrair dividas e mandarem para ele pagar, então, vamos analizar mais a fundo...
- Primeiro lugar...
Eu parei por vontade própria, logo você não pediu... E, se não pediu, nada deve a mim, mas, se achas que tem alguma divida para comigo, façamos o seguinte...
Quer pagar? Aqui está uma forma de pagamento, o qual não terá grandes gasto, nem precisará mandar outros arcar...
- Quando passar em algum lugar, nesse ínterim ver alguém precisando de ajuda, estenda a mão, assim estaremos quites... Fui...
O velho acenou a cabeça, consentindo para o desconhecido, que seguiu viagem...
Parou por alguns instantes, sem crer no que acabara de presenciar, voltando a sua carruagem, com a certeza de que nem todos os filhos eram inadimplentes, subiu ao céu, lá, comentando com Miguel o acontecido, o mesmo falou:
- Senhor, seus filhos ainda são jovens demais para compreender teus sinais, neste caso, assim como tantos, eles recebem de ti a ajuda necessária para cada caso, ainda assim, te mandam contas do feito, na minha opinião, eu lançaria a conta de volta e cobrava com rigidez toda graça obtida, quem sabe assim eles evoluem...
- Talvez tenha razão, Miguel...
Então, Deus, prostou-se na raiz da Cajazeira, o copo de gim na mão, ficou a pensar...
Texto: Deus lhe Pague!
Autor: Osvaldo Rocha
Data: 12/09/2022