O sol de Alice

Enquanto mamãe estendia a roupa no varal, Alice cantava antes mesmo de saber falar fluentemente. Tão pequenina e já tão esperta na arte de encantar. Papai sempre dizia que ela era a estrela da família. Nós éramos três irmãos, dois meninos e a menina Alice . Me chamava de Dudu, abrindo aquele sorriso de janelinha. Às vezes a gente corria só pra ver o sol se pôr. Alice dizia que o sol era um abraço quentinho no universo. Mas ao crescer esqueceu-se da beleza de seu canto. Já não cantava, nem apreciava a natureza . Um dia questionei onde estava a menina que conheci na infância. Ela discretamente sorriu e disse que já não sentia a mesma brisa de antigamente , pois seus sonhos não passavam de ilusões. Se sentia frustrada! Assim como eu, também estava a procura da Alice que se perdera com o tempo. As lágrimas desceram, não pude evitar a dor de vê-la desnorteada e triste . O que poderia fazer para alegrar seu coração? No dia seguinte, a convidei para um passeio ao ar livre e naquele fim de tarde, ao ver o pôr do sol, Alice se reconectou com a chama da vida. Me lembro de vê-la sorrir novamente. Estava certa dos desafios da nova estação da existência, mas ali se sentia abraçada pelo grande sol que vai e vem , mas sem perder o seu radiante brilho. Era o sol de Alice a convidando a cantar de novo. Quanta sabedoria em seu olhar singular, embora marcado pela tristeza, que soava como versos engasgados na alma. Inevitavelmente se encontrava, à medida que se permitia ser, com todas as suas oscilações poéticas.