A rádio russa

Enquanto se servia do café requentado do jantar, aproveitou para ajustar o nível do som do velho rádio de ondas curtas. O dial digital acendeu e logo se ouviu o som de uma campainha ritmada, acompanhada do inevitável chiado característico dessas transmissões. Pois é, como obsessivamente fazia nos últimos dez anos, só sintonizava a enigmática UVB-76, lá da Rússia.

Sempre que precisava escrever um artigo, crônica, texto, seja lá o que fosse, aquele sinal monótono era sua trilha sonora enquanto digitava. Depois de um certo tempo o cérebro se abstraia do som e as palavras vinham rapidamente, como se quisessem fugir daquela chateação. Achou graça do pensamento.

Abriu o notebook e pela milésima vez conferiu na Wikipédia: “UVB-76 (também UZB-76, S28 ou MDZhB) é uma estação de rádio de ondas curtas, que transmite um sinal contínuo na frequência 4.625 kHz, descoberta em 1982. Algumas vezes o sinal de alarme é interrompido por uma transmissão de voz em russo. O objetivo desta estação ainda é desconhecido.

O ser humano adora teorias da conspiração e ele não era diferente. Ficou imaginando se a estação não seria uma espécie de “arma do soldado morto” ou do “juízo final”, programada para, caso saísse do ar em um ataque nuclear contra a Rússia, disparar automaticamente todos os mísseis russos, decretando o fim do mundo.

Sentiu um arrepio só de imaginar, mas o tema do artigo era outro e estava perdendo tempo divagando. Enquanto considerava se deveria apagar tudo aquilo já tinha escrito, notou que o chiado da estação aumentara e o zumbido desaparecera. Levantou-se para checar se o receptor havia perdido a sintonia quando, aterrorizado, ouviu uma voz masculina repetir a frase duas vezes:

– Mikhail, Dmitri, Zhenya, Boris.

Sentou-se e colocou o fone de ouvido. Não ia perder aquilo por nada do mundo. O sinal do rádio, muito instável, dava sinais de que ia perder a transmissão. Qual seria o significado daquelas palavras? Nomes? Um novo prefixo? Ordens? Repentinamente o zumbido habitual voltou, monocórdico e, de certa maneira, tranquilizante.

Metodicamente anotou em um post-it a frase, data e hora: 7 de setembro de 2010, 01:48, hora do Rio de Janeiro, 08:48, hora de Moscou. Pegou a xícara de café e foi até a janela do quarto. Nunca as luzes da cidade lhe pareceram tão acolhedoras. De qualquer forma, o mistério continuava e o mundo não ia acabar nesta noite. Relaxado, resolveu adiar o trabalho, desligou o rádio, o note e foi dormir.

(2016)

Carlos Emerson Junior
Enviado por Carlos Emerson Junior em 27/08/2022
Código do texto: T7592557
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