O pós venda do cacique Kaingang
Em 2001, a convite de Arthur, seu então namorado, Ruth conheceu Iraí, uma pequena cidade no norte do Rio Grande do Sul, conhecida por ser uma estância hidromineral. Na pacata cidade o casal hospedou-se no hotel em frente à praça, possivelmente o maior e mais antigo das redondezas.
Questionando na portaria do hotel sobre os atrativos que poderiam encantá-los, foi recomendado ao casal uma visita a uma aldeia indígena Kaigang. Como estavam despretenciosamente visitando a cidade, consideraram uma boa pedida.
Encaminharam-se até a aldeia no dia posterior à tarde e lá encontraram uma pequena comunidade aparentemente muito bem estruturada. Souberam que eles viviam em mais de 30 terras indígenas que representam uma pequena parcela de seus territórios tradicionais. Por estarem distribuídas em basicamente quatro estados, a situação das comunidades apresentava as mais variadas condições na época.
Como foram muito bem recepcionados e afoitos que estavam por conhecerem um pouco da história da comunidade, tomaram uma avalanche de conhecimentos que nunca mais esqueceram. A denominação Kaingang (antigos Guayanás) só foi introduzida no final do século XIX por Telêmaco Borba. Inicialmente eles e os Xokleng foram classificados como uma só etnia com dialetos diferentes. Passaram a ser consideradas duas etnias com um passado remoto comum que, com a uma separação história, desenvolveram processos socioculturais específicos que os tornaram relativamente diferenciados.
Na conversa, o mais velho índio que lá estava afirmou que os primeiros da sua nação sairam do solo; por isso tinham cor de terra. Numa serra, com uma explicação um tanto confusa por parte dele, no sudeste do estado do Paraná, disse que ainda podiam ser vistos os buracos pelos quais subiram.
Ruth ficou encantada com as explicações e o tanto de magia que construiu na sua cabeça. Como era apaixonada por decoração, logo enxergou o artesanato produzido por eles em um canto bem organizado da aldeia. Tomou conhecimento pelo cacique de que eles utilizavam traços circulares nos artesanatos e identificavam os animais com as suas marcas. Essa dualidade vinculava-se à perpetuação das suas tradições e era uma forma de cultuar a arte. Índio falando em arte? O casal ficou encantado.
Também ficou claro que a vida da tribo funcionava com base na espiritualidade, que acabava permeando todos os aspectos culturais.
Ruth, encantada com o toque em cada peça produzida por eles, acabou comprando 3 lindos balaios para o seu apartamento e Arthur encomendando um arco e flecha em tamanho grande, muito maior do que os usuais. Ruth, a princípio, não entendeu a encomenda mas, depois começou a conjecturar que ele pretendia utilizar os artefatos para fisgar algumas carpas no açude de sua propriedade. Coisa de menino em um corpanzil de homem maduro
Dois dias depois o cacique deixou a encomenda na portaria do hotel, onde o casal já havia deixado o pagamento.
Arthur, feliz com o seu brinquedinho e também com o que aprendera com a comunidade, espantou-se quando, no último dia, carregando o carro para tomar a estrada para retornar com Ruth, foi interceptado por um jovem índio, falando que era filho do cacique e que gostaria de saber se ele tinha ficado satisfeito com a encomenda.
Foi então que Arthur parou e pensou que, em tempos de escassez de cordialidade e processos sérios de relacionamento com clientes, até mesmo nas grandes empresas corporativas, que começavam a trabalhar CRM a passos lentos, partiu de Iraí certo de que os Kaingangs estavam disparadamente à frente do seu tempo.
Rosalva
13/07/2022