_______________RISO DOURADO

 

 

— Como assim, viúva, Madame Zaira? — apavorada, Lana cobriu o rosto com as mãos.

 

— A cristalomancia não mente jamais —  sentenciou a vidente — sinto muito.

 

Aos lampejos dos dentes de ouro da cigana, Lana abandonou argumentos: o riso dourado despendia  magnetismo de morte. Atirou uma cédula sobre a mesa, apertou a bolsa contra o peito e disparou porta afora. Atordoada,  acenou para o circular no ponto 9. Sentou-se no primeiro banco. Entre os velhos carvalhos da Praça do Conde, pelo vidro empoeirado da janela, divisou o telhado decadente da Pensão Eldorado, reduto de Madame  Zaira. Um arrepio a percorreu: viúva! Viúva como? Não via outro jeito, era o fim para Fabiano.

 

Lana teve uma vontade louca de beijar e abraçar o marido, livrá-lo de qualquer mal que pudesse rondá-lo.  Olhou o horizonte, viu o pôr do sol sangrar com a mesma energia maléfica exalada pelo riso aurífero de Madame. Fechou os olhos, conteve o choro. De olhos cerrados,  a moça nem percebeu quando o atirador, em pleno surto, entrou pela porta da frente, alvejando-a à queima-roupa. Um filete quente e vermelho empapou-lhe a renda branca da blusa, o corpo pendeu para o lado.

 

Correndo no calçadão da praia, Fabiano ainda não sabia, mas acabava de ficar viúvo.

 

 

 

Tema da semana: Bola de cristal (conto)