Ainda não.
Aqueles vultos negros. Eu sinto o bafo gélido deles em meu pescoço, observando meus movimentos, esperando um deslize. No meu ramo de trabalho onde o sangue flui aos montes, eles são comuns, abutres que nos circundam tais quais presas moribundas, se deleitam com o cheiro acre do sangue derramado pelo metal afiado, mas não tenho tempo para me importar com eles. E eles sabem disso.
As minhas mãos já estão cobertas de sangue, mas não posso parar. Outros a minha volta fazem o mesmo, bravos companheiros de profissão. Eles tentam ajudar-me, sabem da importância de cada ato e isso os mantém, mesmo com a exaustão que nos consome, nos induz ao erro mortal.
Eu avanço cada vez mais para dentro, a vermelhidão é tudo que eu vejo, tudo em que me foco. O sangue mancha minhas roupas, mas a essa altura já não importa mais. O aço dos meus companheiros força o caminho para mim, mantendo ele aberto para que o meu faça o trabalho, e o esforço deles é recompensado. Eu consigo, a ponta afiada atinge suas marcas e elimino aquilo que causou tudo isso, o mais terrível e temido dos nossos inimigos.
Os vultos se agitam à minha volta, ávidos em expectativa. Sabem que voltar do meio daquilo, de um banho de sangue como aquele é uma arte delicada quando não se quer se pôr tudo a perder, ainda mais quando os seguidores daquele mal ainda cercam minhas mãos e oferecem ameaça, se não hoje, no futuro. Sempre espalhando sofrimento e consumindo tudo que há pela frente.
O cansaço já pesa sobre nós, mas desistir agora, após realizar tal feito, seria um pecado, um desrespeito àquele que juramos preservar. O ferro incandescente cauteriza a sangria, tentando proteger o inocente, enquanto a lâmina, brandida com precisão, procura por resquícios do inimigo que possam estar escondidos e os remove sem piedade.
Depois de a procura minuciosa e o último foco de corrupção ser encontrado, a linha assume sua função, amarrando o que agora quer manter livre, trabalhando com o aço em brasa, uma para a sangria e a outra para as tentativas de fuga. Os vultos babam acima de nós, sua saliva negra virando fumaça negra, gordurosa, antes de nos tocar. Tudo que eles mais desejam é a morte do qual eles se alimentam, mas não podemos deixar que isso aconteça, não podemos cometer um único deslize. Um nó mal-executado, uma cauterização mal feita e sangue inocente irá novamente manchar o chão, acompanhado da temida morte que essas criaturas idolatram.
Tomamos cuidado, não podemos errar agora tão perto da linha de chegada. Por fim, os últimos pontos são dados, a linha e agulha agora tendo cumprido sua função são repousados e podemos comemorar, para a tristeza desses abutres a operação foi um sucesso, os tumores foram removidos. Mas eles logo se juntam em outro quarto, e eu os sigo, nada me enche mais de felicidade do que olhar nos olhos desses ceifadores sedentos e dizer “ainda não”.