Mais uma noite no bar de sempre

Meu bem,

Eu não tenho muito tempo,

pra perder.

talvez por não ter nada

por ganhar, estando aqui.

Ando confuso,

como é comum que eu esteja.

e as garotas que eu conheço

por aí,

parecem não ter qualquer motivo

para me olhar,

quando eu me sinto vazio demais

para começar uma conversa,

com quem quer que seja.

Eu devia saber

que terminaria desse jeito...

como sempre achei que seria

Mas eu tenho tido cuidado

ao me jogar na água.

ou pelo menos tenho tentado

não entrar em parafuso

enquanto afundo.

não é de todo ruim,

que eu esteja assim,

sozinho

nesse momento.

quando se apagam

as últimas luzes

do bar.

1

Deixei o celular de lado assim que as luzes se apagaram.

Todas as pessoas ao redor silenciaram por alguns segundos e a única coisa que se podia ouvir era o barulho da chuva vindo do lado de fora.

Como tudo foi permanecendo no escuro, os poucos que restaram no bar acenderam os celulares e começaram a olhar ao redor, para ver se a falta de luz tinha sido geral.

Olhando para o lado de fora, constatei que o bairro inteiro estava escuro. Tia Eliane, como eu chamava carinhosamente esposa do dono do bar, chegou carregando algumas velas. Acendeu todas em lugares estratégicos, o que permitiu que pudéssemos enxergar um pouco melhor.

Depois de meia hora na escuridão só restavam umas seis pessoas no bar. Talvez por não termos lugar melhor para estar.

Júnior, o meu amigo mais próximo naquela época, meteu as mãos nos bolsos a procura de um cigarro. Não encontrou nada. Apenas um isqueiro rosa, que ele insistia que era desta cor, pois assim era mais difícil de roubarem.

- Fiquei sem cigarro. – Ele disse, depois de tomar um gole de cerveja.

- Amâncio saiu pra comprar faz pouco tempo. – Respondi.

- Ainda bem né? Tô cansado dele fumar só dos meus.

- Você acha que ele volta?

- Sei lá. Acho que sim.

Amâncio entrou logo depois, todo ensopado, com uma sacola plástica nas mãos. Ele parou logo na entrada do bar e acendeu um cigarro.

Amâncio era um cara legal, apesar dos pesares. Estava me devendo 250 reais, mas se fazia de desentendido. Eu já tinha dado o dinheiro como perdido, mas gostava de cutucar o assunto de vez em quando só pra ver a cara dele.

Ele estudava na mesma universidade em que eu trabalhava, apesar de não levar muito a sério os estudos. O que ele gostava mesmo era de gastar dinheiro com mulheres, bebidas e cigarros. E às vezes até com outras substâncias...

Diziam as más línguas que ele tinha um Twitter em que gostava de expor fotos do próprio pau. Eu nunca parei pra conferir, mas Júnior jurava que era verdade.

Há pouco tempo atrás, ele tinha se envolvido com uma menor de idade, filha de um policial. E por isso, andou um pouco desaparecido. Mas enfim, estava de volta.

Quando ele se aproximou da nossa mesa, dava pra ver quatro carteiras de cigarro dentro da sacola.

Ele se sentou, encheu um copo de cerveja e bebeu um gole.

- Faltou luz no bairro todo. Um galho de árvore caiu em cima dos fios de um poste. – Ele disse.

- Então vai demorar pra voltar. – Respondi.

- Com certeza. – Ele comentou, entregando uma carteira de cigarro pra Júnior.

- Minha? – Júnior perguntou.

- É. Pelo tanto que fumei dos seus.

- Olha só, um milagre acontecendo. – Júnior comentou ironicamente.

- Só falta você me pagar os 250. – Emendei.

Amâncio fingiu que não ouviu e acendeu um cigarro na bituca do que trazia consigo.

- Vocês vão ficar por aqui mesmo? – Ele perguntou.

- Não tenho um lugar melhor pra estar. – Comentei.

- Tá esperando Ketley te dar atenção de novo? – Ele falou acidamente.

- Ei, pô – Júnior tentou intervir.

- Mas é, velho. Ele fica assim amuado quando ela tá com outros. Mas quando ela volta, ele sempre fica de boa.

- Nunca abri minha boca pra reclamar de nada. – Rebati.

- Mas sempre fica nessa.

- E qual o problema, moreno?

- Moreno? – Amâncio perguntou desconfiado.

- Não é o seu Twitter... Moreno?

- Não sei de nada disso.

- Quer que eu abra agora pra conferir? – Perguntei.

- Não adianta. Ele apagou... – Júnior comentou sorrindo.

Caímos eu e Júnior na risada, justamente no momento em que Ketley se aproximou.

- Oiê. – Ela falou com um sorriso nos lábios.

Dessa vez ela veio com os olhos mais verdes e mais claros

que eu já tinha visto. E eu só tinha, talvez, uma garrafa e meia de cerveja na cabeça no momento. Então ainda consegui segurar as palavras dentro da minha boca.

Ela esticou a mão em direção a carteira de cigarros que estava em cima da mesa e perguntou.

- Posso?

- Claro. – Júnior respondeu.

Ela pegou um e acendeu. Depois se sentou bem de frente pra mim.

- Do que vocês estão falando?

- Do twitter de Amâncio. – Comentei.

- Eu vi, amigo. Coragem, hein? – Ela comentou sorrindo.

Amâncio soltou fumaça pra cima e soltou acidamente.

- E também estamos falando sobre você e Rômulo.

- Sobre nós? – Ela perguntou sorrindo.

- É. Sobre o tempo que a gente se conhece. – Menti.

Ela sorriu e tomou um gole do meu copo.

- E sobre o que mais? - Ela insistiu.

- E sobre como eu não tenho lugar melhor para estar do que aqui.

- Acho que todos nós, não é? – Ela comentou por fim. Tocando a ponta dos meus dedos da mão com os próprios.

- É. – Murmurei.

Ketley se esticou e me deu um beijo nos lábios, de modo que por alguns instantes eu senti como se estivéssemos a sós naquela mesa.

Então ela afastou um pouco o rosto e ficou me encarando de perto.

- Vou voltar pra a minha mesa. Não quero deixar as meninas sozinhas por muito tempo. – Murmurou.

- Tudo bem. – Respondi com um sorriso.

Então, ela se afastou e me deu uma olhada de rabo de olho.

Eu pensei que aquilo lhe caia perfeitamente bem,

pelo rastro de corações e egos partidos que ela deixava por trás de si. Tinha um certo romance nisso tudo, e ela era capaz de arrancar cada gota de intensidade que havia dentro de mim.

Eu estava prestes a ligar o foda-se para a existência quando a conheci, e nesse meio tempo foi a vida que ligou o foda-se para mim de todas as maneiras possíveis, de uma forma que no momento, eu estava de pé só por teimosia mesmo.

E acho que ela também se sentia daquele jeito. Por isso me olhava com aquele olhar pesado, de quem sabia mais do que falava, um olhar sem consequência, que pouca gente consegue dar sentido. Há um certo tipo de poesia que só quem já contemplou um sentimento de derrota completa consegue entender...

Típico de mim, ficar tanto tempo pensando nesse tipo de coisa...

2

As velas já estavam pela metade quando resolvi me levantar pra ir no banheiro.

Quando voltei, percebi que Amâncio e Júnior pareciam estar discutindo sobre alguma questão idiota.

- Se é certo ou não eu não tô nem aí. A responsabilidade não é minha. – Amâncio falou.

- Se você sabe o que está acontecendo, você tem responsabilidade.

- Tu és evangélico agora, é?

- Não tem nada a ver. Só acho errado.

- O que é errado? – Perguntei me aproximando da mesa.

- Amâncio tá saindo com uma mina que tem namorado.

- Você não cansa de arrumar problema, doido? – Perguntei.

- Esse não é o ponto. Só estou argumentando que eu não estou traindo ninguém.

- Sim. Mas também não é exatamente certo. – Comentei.

- Se não for eu, vai ser outro. – ele insistiu.

- É bem possível. Mas...

- Então... você nunca fez algo do tipo?

- Já. Mas não me orgulho. – Respondi.

- Mas então... como foi? – ele perguntou.

- Ah. Tem uns cinco anos já. Ela era um caso antigo, cheio de idas e vindas. Eu tinha acabado de voltar a morar em Recife, depois de passar quatro anos fora. Na época ela estava namorando, mas quando soube que eu tinha voltado, me procurou. De início eu tentei ficar distante, mas acabamos ficando.

- Só ficaram?

- O lance durou uns quatro meses. Eu estava desempregado, vivendo do dinheiro que tinha juntado. Ela passava na minha casa pra me ver quase todas as manhãs. Ficávamos juntos até o meio dia. Depois ela ia embora. Confesso que terminei me envolvendo mais do que eu tinha planejado. Acho que toda a paixão que eu senti por ela voltou a superfície, a ponto de me fazer ignorar o fato de que no caso, eu era o amante, e nada mais.

- Clássico... Não esperava nada diferente de você. – Júnior comentou, enchendo o meu copo até a boca com cerveja.

- Pois é. – Respondi, depois de tomar um gole.

- E aí? No que deu? – Amâncio insistiu.

- Bem. Teve um dia que ela esqueceu o cartão de vale transporte na minha casa, depois de passarmos mais uma manhã juntos. Eu corri para entregar a ela, tentando alcança-la na parada de ônibus. Quando cheguei lá, dei de cara com ela, beijando o outro cara. O namorado... Beijando com a mesma paixão que ela me beijava... e com a mesma boca que ela tinha me chupado uns minutos antes.

- Cacete. Coitado, mano. – Júnior comentou.

- De mim ou do cara?

- Dos dois né? Mas acho que pra ele foi um pouco pior.

Os dois riram. Eu não.

- Mas e aí? O que aconteceu no final. Você continuou com ela? – Júnior perguntou.

- Ah. Eu voltei pra casa com o vale transporte e tentei me fingir de desentendido. A coisa durou até que eu não consegui mais. Ela acabou o namoro com ele, mas não quis ficar comigo. E enfim, cheguei à conclusão de que o que começa errado sempre vai terminar errado.

- Você parece minha mãe falando, porra. – Amâncio falou, brincando com o isqueiro de Júnior.

- Acho que é a idade chegando.

- Você nem é tão velho.

- Dez anos a mais fazem diferença... Senão no coração, pelo menos no fígado. – Respondi.

- Mas é certeza que o pulmão dele está bem mais estragado que o seu. – Júnior comentou, enquanto Amâncio acendia mais um cigarro.

3

- Você nunca esqueceu Mariana. – Falei, apontando para Júnior.

- Já tem uns seis meses que ela foi embora, e ele ainda tá aí se doendo disso. – Amâncio completou.

- E daí? Eu gostei muito dela. Qual o problema nisso? – Júnior perguntou um pouco irritado.

- Que ela só resolveu te dar moral quando já tinha botado na cabeça que ia voltar pra o Rio. – Comentei.

- E o que você acha que isso significa?

- Você quer minha opinião sincera? – Perguntei.

- Claro. – Júnior respondeu.

- Eu acho que ela não queria nada que a prendesse aqui. Então só resolveu ficar com você, quando tinha certeza que seria algo temporário.

- Não tem nada de errado com isso. – Ele rebateu.

- Não mesmo. Mas talvez não tenha sido muito justo contigo.

- Eu estou de boa. – Júnior finalizou, e esvaziou mais um copo de cerveja.

- Ah. Vai dizer que você não fica pensando no que ela tá fazendo por lá? – Perguntei.

- Claro. Faz parte, mas não vou ficar me martirizando. Quem gosta de sofrer por mulher é você.

- Faz parte da minha arte, cacete. Não me julgue.

Todos rimos e eu peguei o celular de Júnior.

- Desbloqueia a tela. – Desafiei.

- Eu não tenho nada a esconder. – Ele respondeu desbloqueando.

Abri o whatsapp e estava lá. A primeira mensagem era dela. Mariana... ainda não lida.

Mostrei pra Amâncio e deixei o celular sobre a mesa.

- Encerro o meu caso. – Falei.

- O que ela disse? – Amâncio perguntou.

- Não li.

- Mês que vem ela vem passar férias aqui. – Júnior comentou.

- Se precisar de local, a chave de casa está na mão. – Amâncio comentou descaradamente.

- Não precisa, tô juntando um dinheiro pra ficar num lugar mais confortável.

- Tá vendo? É amor, cacete. – Amâncio provocou.

Júnior não respondeu, inicialmente, mas então, caímos os três na risada.

4

A chuva ainda não tinha dado trégua, quando me levantei para tomar um ar e esticar as pernas.

Fui até a parte da frente do bar e fiquei observando a rua. Não tinha ninguém do lado de fora. Além de alguns bêbados renitentes que se escondiam debaixo de marquises ou debaixo de um guarda sol de uma barraca de espetinho.

Sem que eu percebesse até o último momento, Ketley se aproximou e me abraçou de lado.

- Pensei que você tinha ido embora. – Ela falou.

- Ainda não.

- Você tá bem? – Perguntou.

- Tô indo, dadas as circunstâncias.

- Imagino que não esteja sendo fácil. – Ela murmurou, me olhando fundo nos olhos.

- Vai ficar tudo bem. Pelo menos enquanto tiver cerveja gelada no freezer de seu Luís.

Ela sorriu, mas eu sabia que no fundo ela também não estava muito bem.

- Normal vindo do cara que fez o chá de bebê do filho num bar. -Ela comentou.

- Você foi uma das poucas pessoas que ficou quando tudo aconteceu.

- E eu não vou a lugar nenhum, tá? – Ela respondeu, encostando a cabeça no meu peito.

- Eu nunca vou esquecer disso. – Murmurei.

- Tenho certeza que você vai ser um pai maravilhoso. Não importam as circunstâncias. Mesmo que não seja numa família convencional. Mesmo que sejam só você e ele. Não importa o que aconteceu. Eu sei que ainda deve estar doendo, todo o processo de lidar com as mentiras e com toda a situação. Mas enfim, só se preocupa com teu filho, e em fazer com que todos os momentos de vocês sejam os melhores da vida dele. Eu sei disso por que não cresci num ambiente muito convencional, e se eu moro com meu pai hoje, foi muito por que ele fez valer todos os momentos que esteve comigo.

Depois que ela terminou de falar, fiquei encarando os olhos dela por alguns instantes, e quase não consegui segurar a torrente que tentava escorrer dos meus.

Nos abraçamos novamente, e ela me deu um beijo que pareceu conter todos os momentos que passamos juntos. E mesmo depois de nos separamos, não consegui tirar os olhos dela.

- O que foi? – Ela perguntou.

- Acho que só conseguimos ser sinceros um com o outro quando já estamos perto do último gole da noite, e o álcool já nos tenha trazido mais para perto. Então vou aproveitar.

- Certo.

- Então. Por mais que você me diga que estamos aqui pelas mesmas razões, ou que eu cometo os mesmos erros que você vem cometendo consigo mesma, eu acho que é tudo diferente no fim das contas. Por que eu sigo com meus erros por teimosia, e você, talvez por um senso de auto martírio, ou só por vontade de mostrar o quão fundo você consegue cair sem se importar. Não sei se você percebe, mas eu ainda te olho da mesa do lado quando você ri por qualquer coisa. E não tem como não perceber que você tem sorrido menos ultimamente.

- É... - Ela assentiu com a cabeça. - As coisas não estão muito fáceis mesmo.

- Mas tudo bem por isso. Eu também não ando lá muito engraçado com a vida. Mas estou feliz de estar aqui com você.

- Eu também. – Ela respondeu.

Por fim, Ketley sorriu, me deu outro beijo e voltou para dentro do bar, me deixando sozinho novamente, encarando a rua.

Então, como se eu tivesse revivendo o final de um antigo poema, eu me imaginei entrando sóbrio,

nesse mesmo bar,

e a mesma cena

de quando dei de cara com os olhos dela

pela primeira vez.

Me sento, enfim, na nossa mesa e viro um copo de cerveja

até que só sobre espuma em meus lábios,

e encho o copo novamente...

isso é tudo que consegui pensar...

eu nunca fui muito bom

em finais felizes

ou em histórias bem contadas.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 16/08/2022
Reeditado em 16/08/2022
Código do texto: T7583478
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