A queda dos Animais
Os animais estavam em pavoroso alvoroço, beirando o pranto.
A parte da manhã tinha sido tranquila e calma, como foram, rotineiramente, os dias anteriores.
Todo esse alvoroço se dera porque por volta da décima quinta hora daquele dia receberam uma notícia que mudaria drasticamente a vida de todos ali: um(a) dentre eles haveria de levar os demais à ruina.
Ainda não sabiam o que era a tal ruína, mas já sabiam que isso incluiria o afastamento do proprietário local e a morte.
As muitas espécies existentes divergiam na crença que aquilo seria, ou não, possível acontecer.
Dentre os galináceos, suínos, bovinos, equinos, demais aves e até muitos animais aquáticos... Havia vários que permaneciam céticos quanto a essa possibilidade, já que o criador tinha deixado bem claro que o ápice da desobediência seria a morte.
Eles também ainda não sabiam o que era a morte, mas já sentiam que seria uma coisa muito ruim.
E agora? O que iriam fazer? Nunca mais veriam o Senhor entre eles pelo jardim!
Não sentiriam mais sua presença, nem ouviriam mais a sua doce e suave voz!
Ora...! Diziam entre si: quem seria tão burro d desobedecer ao criador? Ninguém! Pensavam eles. Nem o burro foi tido como suspeito porque ainda não existia preconceito.
Mas a profecia dizia que tinha chegado o tempo e que naqueles dias, no máximo dentro de sento e sessenta e oito horas (sete dias), um dentre eles levaria os demais à perdição, comeria do fruto proibido e traria a morte a todas as espécies.
Então fizeram a primeira e grande assembleia dos animais, curiosamente só a espécie humana não compareceu. Decidiram que daquele momento em diante montariam guarda entre si, um vigiaria o outro e ternou-se proibido caminhar para o lado onde estava o fruto do conhecimento, ou seja, ao centro do jardim.
Ficou proibido também ficar muito distante, por isso ficavam sempre bem próximos e ao alcance dos olhos uns dos outros.
Estavam todos juntos e misturados: leões, tigres, lobos, macacos, preguiças, ovelhas...Todos pastando, comendo ervas e frutas, porque ainda não sentiam desejo de comer carne.
Naquela mesma noite organizaram-se para que um de cada espécie ficasse vigiando os demais. Assim, passaram-se cinco noites de intensa vigilância e amanheceu o sexto dia, para alivio de todos nada tinha acontecido ainda.
Pensaram então que suas estratégias estavam dando certo e que evitariam aquele grande mal. Desta forma, triplicaram a vigilância naquela noite, do sexto para o sétimo dia, para garantir o sucesso da operação.
Pra falar a verdade, naquela noite ninguém dentre eles conseguiu dormir, a tensão não deixava, e todos permaneciam com os olhos vidrados em direção à árvore com o fruto proibido.
Para alivio de todos, era uma noite de lua cheia e onde eles estavam daria para ver se alguém se aproximasse do local proibido.
Aos poucos foram chegando as vigílias da noite: primeira, segunda, terceira... Até que chegou a madrugada e alguns ficaram meio sonolentos e começaram perigosamente a cochilar.
Então os macacos, pondo-se à frente do grupo, que permanecia olhando para a árvore, tomaram o cuidado de não ficar totalmente na frente da árvore e começaram a fazer gestos e movimentos entre eles, levando os demais animais aos risos e gargalhadas que despertavam a todos do sono, eliminando os perigosos cochilos.
Desta forma, quando menos esperavam, depois de tantos risos e gargalhadas, amanheceu o dia, e, para alivio de todos ninguém tinha se aproximado da árvore durante toda aquela noite e nada de grave tinha acontecido.
Aliviados, pela manhã já sentiam que tinham vencido o mal, pois o pior que era a noite, já tinha passado. Aquela manhã foi a mais tranquila dos últimos sete dias, todos voltaram a pastar como anteriormente, com uma única alteração, a obrigação de permanecerem de olho na árvore.
Nisso passou-se também o período da manhã. Chegando o período da tarde, alguém começou a disseminar a ideia de que aquele dia deveria entrar para e história e que deveriam sempre comemorar aquela data porque tiveram uma grande vitória.
A ideia pareceu boa e agradável, já que realmente aquele feito era digno de comemoração.
A mesma figura, que estava disseminando as boas e novas ideias, juntou todos os animais à sua frente de modo que ficaram distantes e de costas para a árvore do fruto proibido, mas mesmo assim alguns sempre olhava para trás vigiando a árvore.
A figura declarou que como os macacos tinham feito um brilhante trabalho durante a madrugada, levando-os aos risos e gargalhadas, com alegria despertando o sono de todos, deveriam então repetir o feito e teriam a honra de iniciar o evento de comemoração que estava iniciando, com várias atrações e programações, com a promessa de ir noite a dentro, e sem ter hora nem dia para terminar.
Todos concordaram imediatamente porque os macacos eram ótimos naquela arte e eles estavam sim precisando aliviar um pouco as tensões....
Nisto o show começou e a plateia ria e gargalhava intensamente com a graça que os macacos faziam.
De repente a águia alertou a todos, dizendo que via alguém perto da árvore. A preocupação voltou a tomar conta de todos e a tensão não os deixava mais relaxar, nem mesmo os macacos conseguiam seguir com as apresentações tranquilamente.
A figura, que os induziu àquela comemoração, pediu a todos que permanecessem acomodados apreciando o show, justificando que àquela altura nada de mal poderia mais acontecer, certificou-se firmando os olhos em direção à árvore e reconhecendo quem estava lá era um ser humano, informou aos demais que aquela pessoa tinha mesmo o hábito de todos os dias, àquela hora ficar por ali, naquele local.
Essa informação trouxe mais alivio a todos, chegaram até à conclusão que talvez a pessoa estaria ali justamente para também proteger a árvore e seu fruto.
Então a figura disse: ora! Já chegamos quase à décima quinta hora, já está se completando o tempo previsto para a tal tragédia, se nenhum de nós nos arriscamos a comer do fruto, quanto mais o fará os seres humanos, não tenham medo.
Disse mais: mesmo assim, para que vocês voltem a se divertir tranquilamente, eu vou lá conversar com a pessoa enquanto vocês ficam aqui se divertindo e podem deixar que não deixarei ninguém fazer nada de errado, tomarei conta da árvore para que nada aconteça.
Como já faltavam poucos minutos para a décima quinta hora, e assim findaria o tempo da profecia, os animais voltaram a se divertir tranquilamente, enquanto a figura se dirigiu em direção à árvore para conversar com a pessoa da espécie humana que estava lá.
Minutos depois, assim que completou a décima quinta hora, os leões, os tigres, os lobos e muitos outros começaram a olhar para os bovinos, equinos, caprinos, porcos, etc. e sentir uma vontade imensa de devorá-los, estavam com sede de sangue e fome de carne.
Não resistindo e ainda sem tato com as caçadas, atacaram mas não prenderam adequadamente e morderam suas presas em locais que não eram fatais, deixando-os escapar com vida.
Ao perceber tamanha agressão e volência, estes animais temeram, sentiram uma vontade imensa de sair correndo e partiram dali numa fuga desesperada. Daquele dia em diante nunca mais confiaram naqueles animais que tentaram os devorar e se mantiveram há bastante distância deles.
Os predadores até os perseguiam diariamente mas não os alcançavam com facilidades, tiveram que esperar um tempinho para aprender a caçar e ter sucesso na empreitada, para degustarem suas primeiras presas.
E por fim, houve uma ultima profecia: que nos fins dos tempos os animais se tornarão tão irracionais, que devorarão a outros de sua própria espécie num processo de canibalismo.
A terra beberá o sangue de muitos e cobrará o sangue de tantos outros covardemente vitimados.
A alma de todos os animais também se misturará, assim, gatos terão comportamento de ratos, ou cães ou porcos e vice e versa.
O predatismo e o parasitismo atingirá níveis e consequências imensuráveis e imperceptíveis à visão embaçada e turva daqueles que são os descendentes e responsáveis pela queda dos Animais.
Pedronilo Sodré 2022