MENINO BOI - caps.01 e 02
Querido leitor, aqui você lerá os dois primeiros capítulos do meu livro "Menino Boi" que está à venda no Clube de Autores. Caso gostem desse "aperitivo", o livro está a venda no meu site: www.alexandrelanalins.com.br
Um forte abraço!
Sinopse: Zé Paulo e Tereza crescem juntos na agradável cidade de Piranga. Enquanto o amor vai surgindo entre eles, a política movimenta a cidade. E com a chegada do político Jeremias, a vida desses jovens mudam radicalmente. Mas o que eles não sabem é que existe algo muito maior em suas vidas.
Capítulo 01
1955
- Zé Paulo, vem pra varanda meu filho! O boi tá vindo!
Zé Paulo desceu da árvore correndo e, com um sorriso de um menino de 10 anos, corria naquele vasto campo verde que separava a mangueira com a casa de seus pais. Uma linda e rica fazenda. Aurora gritava pelo filho, pois de longe via o Boi-Bumbá chegando com os vaqueiros, caboclos, índios e índias, e a Cazumbá que usa batas coloridas e máscaras de formatos de capeta. Como assustava as crianças. E o boi vinha dançando. Uma armação de madeira em forma de touro, coberta de veludo bordado. Lá dentro o miolo. A pessoa que da vida a esse boi de mentira...Ou de verdade? Os vizinhos acompanhavam o boi com alegria e as crianças corriam de medo.
Aurora já dançava com a melodia que vinha da maracá e de um pandeirão. A voz em coro cantava: “O Pereira bate com a bunda na poeira! O Pereira bate com a bunda na poeira”. Zé Paulo gostava de ver a mãe alegre, desde que seu pai morreu, o sorriso em Aurora era muito raro.
O boi se aproximou da casa de Aurora e cantou a “Licença”. Aurora consentiu e bailava junto com os vizinhos. Zé Paulo pegava umas pedrinhas no chão e jogava no boi. Este já estava ficando zangado e afastava do menino quanto podia. Zé Paulo ria e jogava mais pedrinhas. Enquanto isso, as meninas dançavam segurando o vestido de chita que teimavam suspender. O boi conseguiu se afastar do Zé e este tentava alcançar o boi. Mas, Aurora o colocou para dançar com ela.
Até que ele percebeu uma linda morena de 10 anos. Ela ria e se divertia com o boi e os personagens daquele folclore brasileiro. Ela ajoelhou-se e pegou uma pedrinha, jogou para o Zé Paulo.
- Ai!
Ela Ria.
Zé Paulo riu também e foi em direção a menina. Passaram aqueles preciosos minutos fugindo do boi e cantando... “O Pereira bate com a bunda na poeira. O Pereira bate com a bunda na poeira”.
- Como é o seu nome?
Tereza sorriu.
- Tereza. E o seu?
- Olha o boi!
Correram.
- Zé Paulo.
Quando o boi foi embora, Aurora colocou o seu filho para dentro. Pediu que se despedisse da amiguinha. Ele entregou um galho do pé de romã que havia em frente à sua casa. Uma árvore que foi plantada pelo seu pai.
- É para você!
Tereza sorriu.
- Aparece aqui amanhã...
- Zé, vou ver... Se meus pais deixarem.
Dona Rosa pegou o final da conversa daquelas crianças e sorriu. Claro que permitiria a sua filha brincar com o filho de Aurora. Uma família tradicional e rica naquelas bandas de Piranga. Pelo menos, a sua filha estava brincando com alguém de sua estirpe. Estava acertado. Zé Paulo subiu a escada e correu naquela imensa varanda até a porta da sala de estar. Aurora estava na cozinha ajudando a preparar o jantar.
- Vem tomar o banho, Zé... Já está escurecendo. A água já está quente na banheira.
***
Chico, marido de Dona Rosa, trabalhava na prefeitura de Piranga e antes de voltar para sua casa, reunia com os amigos no bar em frente ao coreto e a igreja matriz. Discutia-se de tudo ali. Desde política até futebol. A lamparina iluminava o jogo de baralho, enquanto a pinga corria de mão em mão.
- Sabe, desde que os Estados Unidos entraram com tudo na economia do nosso Brasil, as coisas pioraram. Graças a Deus, que o Congresso aprovou logo essa tal lei que instituiu o monopólio da exploração do petróleo.
Felício, dono do bar, empolgou-se com a conversa.
- Afinal, o petróleo é nosso!
- Bem fazia Getúlio...Que Deus o tenha, enquanto não baixava a cabeça para os estrangeiros.
Felício e Chico bateram a velha caneca com a pinga dentro.
- Soube que o boi esteve lá nas suas terras?
- Sim... E parece que visitou as terras de Aurora.
- Que mulher forte... Perdeu o marido, mas está cuidando daquelas terras com mãos fortes.
- Uma grande dama, sem dúvida... Felício lhe digo uma coisa, se eu fosse viúvo, casaria com ela.
Os dois caem na gargalhada, a essa altura a bebida já tomava conta das suas palavras e pensamentos.
- Você é casado com uma boa esposa.
- Mas a Aurora...
Chico olhou as horas, tinha que ir embora. Tinha certeza de que Dona Rosa ia falar até os cotovelos por vê-lo bêbado. Viu uma jardineira chegando suja de terra e fez o último comentário daquela noite.
- Se o nosso governador Juscelino for presidente do Brasil, nós vamos chegar ao primeiro mundo logo, logo.
Felício criticou.
- Antes, é preciso que Juscelino asfalte a estrada... de Piranga.
- E vai... Desse ano não passa!
Felício riu. Desligou a lamparina. Estava na hora de fechar o bar.
***
Aurora acendeu a vela para a imagem do Sagrado Coração de Jesus que se encontra em sua sala de estar. Somente aquela vela, iluminava todo o ambiente. Uma imagem antiga que foi herdada de seus avós, porém conservada. A vela iluminava o rosto do Sagrado Coração. E Aurora se ajoelhou, rezou um Pai-Nosso. Zé Paulo a reparava no canto da porta e rezava junto.
- É você, Zé?
Zé Paulo aproximou devagarzinho.
- A benção, mãe!
- O meu lindo, Deus te abençoe!
Zé Paulo dá um beijo no rosto da mãe.
- Pede ao nosso querido Jesus, que ele te proteja. Peça, filho.
Zé olhou a imagem e fechou os olhos. Aproximou-se da imagem e tocou no coração do Sagrado Jesus.
Aurora apagou a vela. Era hora de dormir.
- Mãe...
- O que foi Zé?
Zé Paulo um pouco tímido, pergunta:
- O que é o amor?
- Que pergunta é essa, Zé. Ora! Vamos dormir.
- Estou apaixonado, mãe. Apaixonado pela Tereza.
Aurora sorri. Dá um beijo no seu filho.
- Menino não se apaixona.
Retira-se do quarto e deixa a porta entreaberta, deixando que a lamparina no corredor, ilumina o quarto do menino. Zé, então, tira debaixo do seu colchão uma revista com mulheres seminuas.
- Quem disse que sou menino. Sou um homem...
E adormeceu.
Capítulo 02
Viam-se as mulheres com as roupas na cabeça, caminhando até o rio que ficava na divisa da fazenda de Aurora e Seu Chico. Era lá que Zé Paulo e Tereza se encontravam para brincar, chupar mexerica debaixo dos pés e correr entre as montanhas. Depois aparecia o trio mais conhecido de Piranga, pelas suas artimanhas e travessuras. Zezinho, João e Rodolfo. Todos com a mesma idade. A inocência daquelas crianças fazia as lavadeiras pararem o serviço para assistirem os meninos brincando de cobra-cega e esconde-esconde. Nem o sol forte da tarde desanimava aqueles meninos. Uma vez ou outra, eles paravam debaixo de uma mangueira e conversavam.
- Zé, quando que nós vamos à sua casa comer aquela fruta esquisita de novo? – Perguntava Zezinho, enquanto terminava uma mexerica.
- Zezinho, aquela fruta chama romã.
João interveio.
- Romã, não é aquela cidade que pegou fogo?
Tereza ria, de dar gargalhadas. Zé Paulo mais uma vez explicou. Era um Pé de Romã. Que seu pai plantara, há dez anos.
- Então, o pé tem a sua idade! – concluiu Rodolfo.
- Sim. Eu tinha acabado de nascer, quando meu pai plantou aquele pé.
Tereza viu uma borboleta azul e corria atrás daquele inseto. Os meninos continuavam a conversar. Agora era sobre futebol. E a borboleta azul pousava em cada flor que ela encontrava no caminho.
- Tereza! – gritou Zé.
- Que foi Zé?
- Volta! Cuidado com o Chibamba.
Uma das lavadeiras escutou e riu. Ria, enquanto esfregava as roupas na pedra cheia de musgo. Começou a cantarolar.
- “Êvém o Chibamba, neném, ele papa minino, cala a boca!...”. E ria.
Tereza com um pouco de medo correu até os meninos.
- Eu não acredito no Chibamba, eu nunca vi.
- E você queria ver Zezinho? – perguntou Zé Paulo.
- Minha mãe já viu, quando era criança. Diz que ele anda com uma longa esteira de folhas de bananeira, ronca como se fosse um porco e dança enquanto caminha e às vezes gira. E adora comer uma criança na janta. – explicou Rodolfo.
Zé Paulo ria. Já acreditou muito nesta história e como corria para a cama dos pais de pavor do Chibamba. Tereza ouvia a história com olhos arregalados, mas Zé Paulo estava ali. Zezinho chamou os amigos para uma partida de bola de gude e Tereza pediu que Zé Paulo o acompanhasse até a sua casa.
- Você acredita no Chibamba, Zé?
- Tereza, eu já sou homem...
Ela riu.
- Você é menino.
- Hum... eu já sei até beijar.
Tereza se espantou.
- Na boca?
Zé confirmou com a cabeça. Ele tinha visto o beijo no Cine Municipal de Piranga. Um lindo filme romântico.
- E já beijou, Zé?
-Um punhado de menina... – Zé quis mentir para impressionar a amiga.
Tereza parou e olhou para o amiguinho.
- Então me beija para ver como é que é...
Zé Paulo não esperava por essa. Ele nunca tinha beijado. E agora?
- Tereza, você tem que fechar os olhos.
Tereza fechou os olhos.
- Assim?
Zé Paulo se aproximou devagar. Olhou para o rosto da menina.
- Anda, Zé!
- Tereza! – alguém gritou.
Um grito do alto do morro. Era o seu pai Seu Chico. Desceu com o seu cavalo e gritava o nome da filha. Tereza e Zé Paulo continuaram ali, enquanto Seu Chico se aproximava com aquele belo cavalo.
- Filha, sua mãe está lhe chamando para lanchar.
- Tô indo pai.
- Vamos agora. O que vocês estavam fazendo?
Zé Paulo, com receio, respondeu.
- Nada... Conversando.
Tereza subiu no cavalo e se despediu do amigo com um sorriso. Seu Chico conduzia o cavalo lentamente, enquanto olhava as suas terras e as terras de Aurora.
- Filha, sabe, eu gosto do Zé.
Tereza ouvia, enquanto abraçava o pai, com medo de cair daquele cavalo.
- Mas você está ficando mocinha... Logo, logo não poderá brincar com os meninos mais. Você vai arranjar um bom namorado e vai se casar. Vai me dar netos...
- Vou casar com o Zé, pai...
Seu Chico riu.
- Zé é muito novo. Você tem que casar com um homem mais velho. Mas deixa essa prosa para depois, você tem que aprender muito nesta vida... Ah! Filha, as coisas vão mudar... Sabe que seu pai vai se envolver um pouco mais com a política.
- E por que a nossa vida vai mudar?
- Não quero vocês morando aqui em Piranga. Vou mandar vocês para Belo Horizonte.
- E o Zé, pai?
Seu Chico não respondeu. E esse silêncio foi assustador para Tereza.
***
Ao entardecer, seu Chico despediu dos colegas da prefeitura e caminhou para o bar. Lá estava o Felício o esperando para mais uma prosa. Amigos desde a infância, seu Chico sempre gostou de política. Já o Felício queria uma vida pacata. Herdou o bar do pai dele. Enquanto acendia o lampião, seu Chico dizia ao amigo.
- A minha candidatura está quase certa, Felício.
- Eita, que vou ter um amigo na prefeitura da minha querida Piranga.
- Mas é segredo por enquanto. O certo é que terei o apoio do PSD e do PTB.
- Mas o amigo tá muito bem apoiado. Não são os partidos que estão apoiando Juscelino para presidente?
Seu Chico riu. Riu de orgulho, mas um receio o invadia a alma.
- Por isso o segredo. Isso só pode vir à tona quando eu acertar os meus ponteirinhos...
Felício colocou a pinga para o amigo e concluiu.
- Isso quer dizer que você será oposição do atual prefeito.
- Por isso o segredo...
- Segredíssimo...
Os dois riam e brindaram com a caneca cheia de pinga.
***
Aurora já estava preocupada com o seu filho. Eram quase sete da noite e ele não apareceu. A escuridão invadira a fazenda e nenhum sinal do menino. Como estava peralta aquele menino. Foi à sala e rezou diante a imagem do Sagrado Coração de Jesus. Que traga o meu filho, meu pai!
Zé Paulo adormeceu debaixo da mangueira e acordou assustado com o barulho de uma coruja. Tudo escuro. Assustado, levantou-se e ouvia o som da cocheira no fundo.
- Como vou voltar para casa...
Zé Paulo aos poucos se acostumava com a escuridão e caminhava tentando achar a estrada de terra que o levaria até a sua fazenda. Porém, no meio do mato ele ouviu um barulho diferente e viu um vulto entre as árvores. Uma voz de homem que cantarolava: “ Êvém o Chibamba, neném, ele papa minino, cala a boca!...”.
Zé Paulo escondeu-se atrás de uma árvore e fechou os olhos.
- Meu Sagrado Coração de Jesus, é o Chibamba!