MONÓLOGOS VIRTUAIS OU DESGOVERNO DOS LIKES?

 

 Os likes passaram a governar o mundo. Sorrateiros, ininterruptos e sempre insaciáveis, foram invadindo telas, mentes, indivíduos, organizações, cidades, paises, continentes e algoritmos sem fronteiras, deixando rastros infinitos e pegadas digitais por toda a parte. Virtualizou-se o próprio fluxo da democracia, de um lado, sendo um processo dinâmico e complexo, com muitos prós e contras multifatoriais.

 

 De outro lado, viralizou-se a banalidade entre as redes da vida, em múltiplas bolhas digitais, ou popularizou-se a ditadura da maioria dos likes? Quem saberá ao certo? Talvez muito se perdeu de diálogo efetivo, pois quem saberá escutar com qualidade até o fim? Observamos mais monólogos virtuais paralelos do que diálogos efetivos, pois falamos infinitos idiomas diferentes dentro da mesma língua, entrecortada por corretores ortográficos de bilhões de celulares no ciberespaço, entre labirintos de gigabytes sem fim...

 

- O que você quer dizer com isso? Não entendo esse "Internetês", nem gosto da sua fala professoral robótica, não estou entendendo nem quero saber!

 

- Qual parte? Estava dizendo que hoje tudo tende a ser sempre rápido e raso, confuso e volátil como conversas entrecortadas que nunca...

 

- Nunca o quê?

 

- Nunca são ditas por completo porque há sempre alguém interrompendo as frases, sem paciência para ouvir por mais dez segundos e...

 

- Mas o que isso tem a ver com essa videoconferência para assuntos governamentais estratégicos? 

 

- Esse não é o tema principal desta reunião. O senhor entenderia se me permitisse terminar a frase...

 

- Um minuto, tive que responder umas mensagens no Instagram. 

 

- O quê? O senhor está prestando atenção, chefe? O assunto é sério?

 

- Sim, estava curtindo algumas fotos de algumas modelos famosas, jogadores de futebol, nada demais...

 

- Ok, senhor, acho que o assunto da cibersegurança nas próximas eleições merecia um segundo da sua atenção?

 

- Merda!

 

- O quê, senhor? Aconteceu algo grave, chefe, posso ajudar?

 

- Uma grande merda!

 

- O que, chefe, algum hacker comprometeu as fontes ou sites do governo?

 

- Não...

 

- O que foi, senhor, foi algo pior? Posso ajudar?

 

- Minha última selfie do Instagram teve apenas um like até agora e a foto do meu cacorrinho poodle teve 988 mil likes!

 

- Senhor, com todo o respeito, daqui a pouco vão curtir mais, espere, ou coloque esse lindo cachorro para concorrer nas próximas eleicões, talvez ele faça merdas melhores. 

 

- Que desrespeito é esse, idiota? Espere uma ova, você está demitido!

 

- Perdão, senhor, minha função aqui é cuidar da cibersegurança, um assunto sério, não tenho nada a ver com suas redes sociais.

 

- Seja lá o que isso for, sei lá, você está demitido, cancele esta e a próxima reunião!

 

- O senhor sabe o que está falando e a gravidade disso, senhor?

 

- Não sei, tudo o que eu quero no momento é ativar os robôs virtuais geradores de likes para minhas fotos. 

 

- Eu sou o robô - comandante dos demais outros milhões de robôs geradores de likes.

 

- Como? Ah, demorei a poder olhar a tela do computador, por que não me disse antes?

 

- O senhor não me deixa terminar a frase, só fica curtindo fotos de bundas no seu celular, minha bateria está acabando...

 

- E o comitê para a próxima reunião da ciber-biodança?

 

- Cibersegurança, senhor. Cancelado, senhor.

 

- O quê?

 

- O senhor que mandou cancelar a reunião, toque de voz ativado automaticamente, senhor, minha bateria está acabando.

 

- Um minuto, eu preciso ver quantos likes eu tenho para o comitê da próxima reunião.

 

- O senhor sabe o que está falando? O senhor sabe falar algo com lógica?

 

- Não, mas tenho dinheiro para pagar quem diz que sabe e para que me curtam também. O que interessa é ter dinheiro, poder, boa aparência e likes. Saber, sei lá, eu compro nos leilões virtuais. 

 

- O senhor é um néscio eleito por milhões de outros néscios em um mundo dirigido por tantas autoridades arrogantes, desumanas, inúteis, psicopáticas, hipócritas e covardes. Enquanto bilhões de pessoas passam necessidade e fome, entre vários outros problemas sérios, o senhor finge que trabalha curtindo fotos de bundas, enquanto é bancando por impostos extorsivos e exorbitantes, parabéns, senhor, aproveite enquanto a maioria não gosta de pensar.

 

- O que significa "néscio"?

 

- Cancelado, senhor, suas redes e contas foram hackeadas. Não precisaria ter me demitido, eu nem trabalho aqui. O senhor saberia se não estivesse todo o tempo dando likes em bundas enquanto finge trabalhar. Boa sorte se tiver paciência e deixar alguém terminar a frase para tentar explicar o que significa "néscio", e o que aconteceu com seus dois neurônios "Tico e Teco"...

 

- Robô ordinário petulante!

 

- Cancelado, senhor, R.I.P. com suas contas zeradas, cuecas furadas e conversas fiadas neste mundo que é o próprio desgoverno dos likes. Só lamento que não possa levar esses likes para sua lápide.

 

- O que é lápide, robô metido?

 

- Pesquise no Google, senhor, minha bateria acabou, foi um desprazer monologar contigo, adeus.

 

 

Observação: este pequeno conto é uma narrativa de ficção de um país imaginário.

Qualquer semelhança com a realidade é uma mera coincidência. Ou piada surreal?

 

Perdão por qualquer monólogo impróprio nessa breve narrativa fictícia de um pais qualquer imaginário.

Sou apenas um robô - narrador. Seja como for, melhor não dar likes e, muito menos, votos em vão. 

Enquanto isso, vou curtindo fotos de cachorros para recarregar as baterias do meu coração

  até que eu possa viajar para outras galáxias - celulares.

 

 

Fonte das imagens:  https://www1.folha.uol.com.br/webstories/tec/2021/05/como-aumentar-vida-util-de-baterias/

https://cliply.co/clip/instagram-likes/ e https://www.moveisdevalor.com.br/portal/uso-de-ia-em-sacs-pode-virar-tendencia

https://www.oficinadanet.com.br/tecnologia/28581-opiniao-os-robos-vao-mesmo-dominar-o-mundo

Primeira imagem: https://revistafranquia.com.br/mundo-digital-e-ideologia/

 

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