Marta acordou, e olhando para a vidraça, ouviu o tamborilar da chuva. Era 31 de Dezembro e lembrou-se de que naquele dia fazia 1 ano que havia perdido sua tia Carmen. Espreguiçou-se, sentando na cama, e puxou do criado-mudo um caderno que ela lhe havia deixado, o qual guardava com o maior carinho.

 

Tia Carmen tinha 92 anos e  morava sózinha num apartamento decorado com muito bom gosto. Ela era a terceira das irmãs, e a mais bonita. Ganhou um título de “Miss” de sua cidade e casou-se com um homem de cargo importante. Sua casa mais parecia  um divã de psiquiatra. Nao tinha tido filhos, mas havia adotado todos os sobrinhos.  Lembrou-se  do cheiro dos lençóis fresquinhos, do abajur de cúpula bordada, do café da manhã na mesa com toalha de linho e xicaras de porcelana.  Tinha uma força interior inacreditável - e no bolso -   uma receitinha de vida para dar a quem precisasse.

 

Nesse dia, um ano atrás, iria passar o Ano Novo na casa de um de seus  sobrinhos e sua ultima aventura foi um cuzcuz de sardinha e peras ao molho de vinho. Naquela noite  morreu dormindo - uma graça concedida a poucos! 

 

Interrompendo suas lembranças, Marta fez uma prece, e abraçou aquele caderno que havia sido deixado especialmente para ela com uma dedicatória: "Para a filha que nasceu do meu coração".  Ali estavam registradas experiências escritas à próprio punho. Aquele sempre seria para ela seu manual de sobrevivência. 

 

Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 02/08/2022
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