“Você pode ser o que você quiser”. Disse ela olhando fixamente o rosto da menina. A menina sorriu timidamente e pensou se tratar de alguma brincadeira. “Sério, você pode ser o que você quiser”. Repetiu a mulher com mais ênfase. A menina hesitou: “Sim, mas temos limitações”. A mulher se virou e pediu mais uma dose de vodca e retornou à garota: “Não, não, não há limitações, isso é uma ideia ultrapassada, hoje em dia podemos ser o que quisermos ser, entende?” A menina evitou rir para não ofender a mulher, pois percebia que aquilo tudo era-lhe de suma importância. E a mulher continuou: “Mas você precisa aprender como ser o que você quiser ser”. A menina não conseguiu evitar sua cara de espanto diante de uma frase aparentemente incoerente. “Como assim, aprender a ser o que se quer ser?”, pensou. “No próximo mês iniciarei uma oficina para desenvolver essa capacidade nas meninas, você deveria se matricular, gostaria?”, sugeriu a mulher. A menina deu um sorriso, agradeceu educadamente e prometeu confirmar com ela em breve. Despediram-se. Enquanto caminhava para casa, a menina matutou umas filosofias: “A religião é um sentimento eterno, é mesmo uma vontade inata. E ela permanece e permanecerá independentemente de sua roupagem, seja filosófica, seja científica. Mas há um tipo de religião inferior, quero dizer, um sentimento inumano, não natural, que deprecia o ser. Há uma beleza perene na religião quando é formada no seio da filosofia, das experiências reais humanas, mas esse tipo de religiosidade que se veste com modelos da moda que mais se parece com trapos deve ser rechaçado em nome da dignidade do ser. Há elementos que são aprendidos, sem dúvida, mas há também elementos inatos e estes indestrutíveis, insubstituíveis. Há um legado filosófico imenso que deve ser protegido contra as ameaças parvas e pueris das falsas filosofias passageiras…”