UMA VIAGEM À MINHA INFÂNCIA

    Hoje, por um instante, pensei naquela criança barulhenta, correndo pelas ruas da cidade, cabelos emaranhados, vestidinho de chita com florzinhas coloridas, tamanquinhos de madeira com gregas de listras vermelhas. Uma menina radiante que saltitava todos os dias pelas calçadas, buscando embalagens de bombons para usar como toalhinhas de bonecas. Não possuía brinquedos comprados em lojas, mas tinha a sua casinha mobiliada com mesa, cadeiras, sofá, cama e até um radinho, todos feitos com caixas de fósforo e cobertos com papel pergaminho azul, confeccionados por um primo birrento. Existiam, também, um fogão, um porta potes, panelinhas, todos feitos de barro, um pouquinho de feijão e arroz doados por sua mamãe. Ali, uma pequena família, com bonequinhas costuradas à mão, com roupinhas estampadas de bolinhas e xadrez. À noitinha, a pequena adorava brincar com areia fazendo castelinhos com os pés, outras vezes, corria com os amiguinhos no pátio da igreja. Amava brincar de pular corda, cirandas, esconde-esconde e bolinha de gude. Aquela guria nunca soube o que era comer chocolates e outras guloseimas, mas não reclamava, contentava-se com o pouco e muito que tinha. Adorava as suas brincadeiras na beira do rio, ficar de cabeça para baixo nas árvores e dá cambalhotas na areia. No retorno às minhas memórias, por um momento voltei a viver tudo aquilo com uma felicidade intensa. Lá, encontrei tudo o que deixei, a minha velha casa pintada de verde, a sala com Jesus e Maria, o antigo rádio de pilha, o tic tac do relógio de parede, a minha redinha pendurada no armador do quarto, o meu vestido de renda e o meu sapatinho de verniz. Abracei o meu pai e a minha mãe, vi os meus irmãos, primos, o papagaio, o cachorro, o periquito, o tenebroso pé de ciúmes, a cacimba e o rio que embelezava o quintal. Fui, ainda, na minha viagem de trem rever o meu amado sertão, percorri caminhos, andei nos trilhos, tomei banho de riacho e estive em cada cantinho daquele saudoso lugar. Foi fantástico, um encontro contagiante comigo mesma. Eu diferente de hoje, eu desnuda das maldades do mundo, eu no mais puro sentido da vida, eu com a pureza de uma infância simples e feliz.