Noite dos mortos: a sombra da tua luz

Era apenas mais uma noite, como qualquer outra, assim pensara. Troquei-me para dormir, fui ao banheiro como de costume e ao tentar voltar ao quarto, notei que aquela porta se havia fechado. Em princípio, normal. Do nada, uma escuridão me tomou conta. A sensação era de ter saído de cena, sim, apagado. Nunca me sentira tão aflita a ponto de desacordar. Nada pude sentir, todos os sentidos pareciam ter sido congelados e isso deve ter durado muito tempo.

Depois, ao ouvir a porta se reabrindo, tive a sensação de estar saindo de uma eternidade cavernosa. Um clarão me assaltou a vista, e meu corpo seguia imóvel. Aos poucos, fui resgatando todas as cegueiras dos excessos desencarnados, abrindo os olhos; aquela luz e a obscuridade da noite inebriavam-se. Entre o cinza das nuvens e gritos ensurdecedores do vento, eu ainda me encontrava a flutuar no céu. No espaço, eu estava sempre em movimento, naquela noite, no banheiro, era só mais uma sombra a se perder de vista, que gostaria de ser vista em meio à escuridão ou à claridade do mundo.

Quando uma luz, ainda mais forte, adentrou por debaixo da porta, vozes estridentes anunciavam alguma passagem. Senti-me leve. Pude sentir alguns movimentos do meu corpo, que fugia em direção ao quarto. Sai daquele lugar como se houvesse distinção entre corpo e alma. Na verdade, estavam em mim todas as possibilidades de alguma existência. E aquele, fora o único espaço a me filtrar; lá foram depositados os excrementos de minha vida. Toda essa leveza que me deleneia, revela a essência de minha eternidade, a qual só pode ser notada por quem encontra a mesma luz.

Essa luz que me permite visitar todos os cantos da existência, voltar ao tempo preciso de todas as possibilidades e acender a luz da vida de alguém.

Hoje estou aqui, a luz, eu, retribuída em lágrimas de amor, com as quais lavo corações, e me demarco no calendário das invenções, 2 de novembro.

Se podes sentir-me, verás o vento e o tempo que passam como num açoitar de sonhos, enquanto te desprendes, mediocrimente, do mundo que te jaz.

Se podes sentir-me, terás só mais uma lembrança neste dia de sombras, de luz, de esperança, até que possas prender-te eternamente, para encontrar a tua luz.