DA TERRA AO SOLO

Há muito tempo, aqui, existia uma Terra.

Terra que se colhia e que se plantava. Terra que molhava nossos pés com suas águas ou nos sujava com o seu mangue.

Terra. Onde se fazia fogueira, se fazia comida. Se fazia a vida.

A Terra guarda a história de cada pegada – até das apagadas! Até das roubadas. Até das que foram cobertas com sangue. A Terra guarda o som de cada música feita sobre ela. Os acordes ainda vibram. Percorrem seu interior e alimentam o que nele está sendo plantado.

A Terra perdeu o seu posto. Foi rebaixada a solo. A Terra perdeu seu lugar e foi, aos poucos, sendo aterrada. Enterrada! Não teve velório, nem sepultamento. Chegaram e foram tirando dela a sua história e a sua dignidade. As pessoas forçadas a ocupar o que agora é solo, foram construindo outras histórias.

Pessoas trazidas. Pessoas sequestradas. Reis e Rainhas que foram obrigados a servir junto com os seus serviçais. Pessoas. Pessoas que deixaram outras pessoas, que se perderam de outras pessoas. Pessoas forçadas a recomeçar a sua vida em outro lugar.

O Solo, que um dia já foi Rei, acolhe todos esses corpos. Abre, sem que eles percebam pequenos buracos, por onde entraram as suas histórias, as suas lágrimas, o seu sangue, os seus corpos. O Solo.

Histórias. Novas histórias. Histórias que se repetem no tempo. Nossas histórias!

Acharam que calariam a Terra! Mas, mesmo como Solo ela guarda a história de cada pegada – até das apagadas! Até das roubadas. Até das que foram cobertas com sangue. O Solo guarda o som de cada música feita sobre ele. Os novos acordes vibram. Percorrem seu interior, se juntam aos anteriores, e alimentam o que nele está sendo construindo.

As pessoas que pisam no solo têm a sua história. O solo, que já foi Terra, tem a história de todos.