Imagem: acervo pessoal. Estrada rural em Martins Guimarães.

 

 

 

 

____________Em Ponto Cruz

 

Toda vez que estava mais triste do que normalmente era, ela se lembrava da estrada. Aquela picada aberta a machado e facão pelos primeiros desbravadores da terra era também lugar de boas lembranças da infância.  Escorregando pelos altos barrancos, ficava a imaginar como eram valentes os homens da sua família que, indo morar naqueles mataréus, tinham construído a larga e ampla estrada que levava ao povoado: era por ela que passavam em seus cavalos; era por ela que aos domingos iam a pé, em alegres bandos, almoçar na casa dos parentes em fazendas próximas; era por ela que seguiam as rodas morosas e cantantes dos carros de bois carregados de milho ou rapadura. Era nela que... Ah, tanta coisa!

 

A estrada branca e poeirenta, que cortava ao meio o cerradão coalhado de gabirobas, muricis e capotes levava também às doçuras da meninada... Tantas vezes, ela estivera ali. Em trechos sombreados servia de descanso para o corpo fatigado, um gole d’água de cabaça, uma merenda de biscoito e melado com queijo. O tempo tinha corrido, tudo mudara. Sozinha em seu apartamento, enquanto respirava algumas saudades, ela se dedicava à arte que mais amava, o bordado em ponto cruz. Pensando na estrada, levantou-se, pegou as chaves do carro, foi ao centro comprar linhas e tecidos.  Ia começar a maior e mais bela obra de bordado que já fizera — um painel de parede inteira para a sala de estar: traria para perto de si a estrada de sua infância em cores fiéis e ponto cruz.

 

 

Tema da Semana: Pensando na estrada (conto)