D E C E P Ç Ã O

   Aquela mocinha que conheci com lacinhos no cabelo e aquele sorriso maroto, com suas bochechinhas rosadas naquela festinha junina do interior pernambucano, com um chapeuzinho decorado, parecia mais uma criança mimada, conseguiu chamar a minha atenção. Enquanto todos a ignoravam ou achavam que era apenas mais uma no meio de tantas outras, para mim ela fez a diferença, ela me encantou e eu não resisti. Fiquei o tempo todo de olho nela, só imaginando o momento de me aproximar e conhecê-la mais de perto e descobrir os seus sentimentos. Na minha concepção poderia ter uns quinze para dezesseis anos, por aí, achei que não era mais que isso. Tinha um semblante infantil, talvez pela maquiagem que usava nessa brincadeira de São João próximo da fogueira. Era a primeira vez que eu visitava essa cidadezinha interiorana e estava deslumbrado com o lugar, com o clima frio e com as características rústicas que me faziam delirar. Mas essa figura ora em questão foi o que mais me impressionou e eu não ia abrir mão de conhecê-la. Estava ali na casa de um tio meu, dono de uma pequena propriedade e que sempre animava a vila onde morava com apresentação de quadrilhas matutas em um arraial por ele improvisado e com a participação das pessoas do local. Todo ano ele fazia isso e nesse ano eu fui com a minha familia, combinamos de prestigiar essa festa maravilhosa na casa do meu tio. Aquela mocinha eu nem sabia o seu nome, mas depois descobri que era filha de um compadre do meu tio e morava por ali mesmo, o que me deu um grande incentivo, para mim foi amor a primeira vista e ela nem me conhecia ainda.

   A fogueira foi acesa exatamente às seis da noite, era véspera de São João, todo mundo estava animado, eu mais ainda, estava prestes a iniciar um diálogo com Luiza, essa que fez disparar meu coração, nesse momento já bem acelerado. Me aproximei dela e a cortejei com elegância. Um simples "oi" foi o suficiente para me ver diante daquele sorriso encantador. Conversamos por pouco tempo, após ter me apresentado. Ela me ofereceu a mão e eu a beijei delicadamente. Muito simpática, pensei. Foi quando chegou um rapaz que se apresentou como seu namorado, seu nome era Ivan, o que fez cair por terra toda a minha intenção, realmente foi um choque que me fez ficar inquieto e triste. Mas eu notei algo em seu olhar, algo que me fez ter esperanças. Nem sei como explicar, mas eu devia tentar uma nova aproximação, seus olhos me davam essa impressão. Com a chegeda do seu namorado é lógico que eu teria que deixá-los a vontade e me afastei contendo aquela tristeza que se formou em mim.

   Já era quase dez da noite, todos estavam brincando animadamente, eu fiz o possível para não demonstrar que estava triste ou até dececionado, no auge dos meus dezoito anos era um rapaz que sempre gostou de divertimentos, mas que não tinha ainda conquistado uma garota para ser meu par verdadeiro, tinha namorado algumas, mas nenhuma delas me prendeu e com essa que é comprometida eu me vi apaixonado assim de repente, era como o destino tivesse me apresentado ela, porém com esse empecilho. Fui dormir pensando nela, acordei pensando nela e passei o resto do dia vendo de longe a sua imagem sem nada poder fazer. No final da tarde eu tive que ir embora e voltar para a capital, arranjei uma maneira de me despedir dela e dizer-lhe que era uma linda pessoa. Apertei sua delicada mão e instintivamente lhe abracei, foi assim sem planejar, Luiza nem reagiu, aceitou tranqüilmente o meu abraço. Respeitosamente lhe beijei a face sem nenhuma reação dela. Seu olhar mais uma vez me confundiu e eu senti a necessidade de vê-la novamente.

   Passaram-se alguns meses e meu pensamento estava sempre nela, em Luiza, essa garota que mudou o meu modo de pensar. Nenhuma outra garota estava me interessando, só Luíza, mas ela tinha namorado e eu não podia intervir no seu relacionamento. Já fazia quase um ano e eu sem notícias dela, estava impaciente, pensava em voltar lá para vê-la, mas temia por uma reação contrária. Mas enfim chegou a época junina, esse ano meus pais não iriam passar o São João lá no interior, mas eu resolvi ir sozinho, estava precisando ver Luiza, saber dela, se estava bem (estranha essa minha preocupação), meu coração dizia para ir, para vê-la, quem sabe algo diferente poderia acontecer. E lá fui eu, viajei logo pela manhã na véspera de São João, fui bem recebido por0 meu tio que lamentou a família não ter ido também. Queria saber logo de notícias de Luiza e logo depois eu a vi, parecia feliz com a minha chegada, mas a presença do rapaz que era seu namorado me incomodou e me deixou com um pé atrás. Nos cumprimentamos e ele se retirou, parecia aborrecido. Perguntei o porquê a Luiza e ela me explicou tudo direitinho, tudo da forma que foi bastante agradável para mim, inclusive me deixando mais feliz do que estava. Eles tinham rompido há alguns dias e o rapaz estava insistindo para reatar e quando me viu foi embora. Luiza era só sorrisos, estava feliz com a minha chegada, passamos horas conversando e eu a fiz saber que estava interessado nela desde o São João do ano passado, que passei o tempo todo pensando nela. Praticamente iniciamos ali o nosso namoro, agora era prá valer, não existia mais nenhum impedimento. Nessa noite animada nos divertimos prá valer, dançamos, comemos as comidas típicas da época e prometemos amor eterno, afinal eu estava completamente apaixonado e essa viagem não foi em vão.

   No dia seguinte, dia de São João, não nos desgrudamos, ela também demonstrava muito interesse por mim. Sua constante presença era uma alegria para mim, seus beijos me satisfaziam intensamente, andávamos sempre de mãos dadas e sua família aprovou o nosso namoro. Retornei a minha cidade com a promessa de voltar toda semana, afinal eu tinha onde ficar, meu tio facilitou a minha permanência na casa dele.

   Nosso namoro durou em torno de dois anos, todo final de semana eu ia para a casa do meu tio e só voltava no domingo de tardezinha, na segunda tinha que trabalhar. Noivamos e três meses depois nos casamos, fomos morar na capital onde alugamos um pequeno apartamento. Nossa vida era uma completa felicidade, a impressão era de que nascemos um para o outro, nos satisfazíamos completamente na cama, nós nos amávamos com toda a força dos nossos corações. Dessa feliz união nasceram dois filhos que eram muito amados. Nós dois nos completávamos e nossa fidelidade era a toda prova.

   Os anos se passaram, eu estava com 65 anos e ela com 63, já não era tão jovem mas permanecia com um visual de dar inveja e era assídua das redes sociais, eu também gostava, mas não era tão assíduo assim. Nossa relação começou a se desgastar quando eu descobri que Luiza tinha um amante virtual, eu a amava tanto e ela me traindo através de um computador. Questionei-a sobre isso e depois de muito pelejar ela confessou quem era. Nas redes sociais ela encontrou o seu ex-namorado Ivan e iniciaram um contato constante. Decidimos, contra a minha vontade, nos separar e ela voltou para a sua cidade do interior onde foi morar com o Ivan. Sofri muito com a solidão, tão acostumado que estava com Luiza e sofrer uma decepção dessa depois de mais de quarenta anos de casamento. A paixão que possivelmente ela sentia pelo ex-namorado ficou guardada durante esses longos anos e eclodiu através da internet. Os anos foram se passando, em torno de dez, tempo que não mais soube notícias de Luiza.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 03/07/2022
Código do texto: T7551795
Classificação de conteúdo: seguro