Franguinho _ baseado no conto "PAMONHA" de Anton Tchekhov
Uns dias atrás convidei ao meu escritório um dos meus alunos mais esforçados, Fritz Cohen. Era necessário lhe explicar a sua média final.
- Sente-se Fritz Cohen, disse-lhe. Você deve estar ansiando à explicação, mas é tão receoso que não me procurou... Bem, te dei um seis na média final...
- Sete!
- Não, seis... Está anotado no meu bloco de notas. Sempre dei um seis como nota para alunos como você. Bem... Você acha que acertou as questões...
- Sim, eram interpretativas.
- Categoricamente estás enganado. Assim foi dito pelo autor deste livro: "O valor lógico de uma proposição composta qualquer depende unicamente dos valores lógicos das proposições simples que a compõem, ficando por eles univocamente determinado"...
- Mas senhor...
- E neste mesmo livro, "A negação de uma proposição p é a proposição “não p”, que representaremos por “~ p”, cujo valor lógico é o oposto ao da proposição p."
- Mas senhor em um sistema formal controlado...
- Não. Toda lógica deve se basear em três princípios basilares, pois os são basilares e fundantes, são eles, o princípio da identidade, contradição e do terceiro excluído. Nesta outra prova você também errou...
- Senhor de uma contradição não segue-se necessariamente qualquer sentença!
Falou ele rápido, ansioso e inseguro.
- Ex contradictione sequitur quodlibe, você nem deve saber latim...
- Sei sen...
- E então tendo por base os outros dois princípios anteriores a este e que os orginam - Falando agora mais alto do que antes, a minha voz agora inundava toda a sala, como um orador Romano no fórum -, se A e não A forem assumidas como verdadeiras, sendo esta, portanto, a premissa, temos, a priori, por eliminação conjuntiva que A é tida como verdade, segundamente temos que pelo menos uma das afirmações A é verdadeira e conjuntamente alguma outra afirmação arbitrária B é verdadeira, este é o enfraquecimento. E depois da eliminação conjuntiva temos que B é verdadeiro. Isso prova, caro aluno, que estás equivocado. Assim, se temos uma inconsistência, a teoria é trivial. Isto não se aplica as suas respostas e ideias.
- Se temos teorias inconsistentes e não triviais, podemos em um sistema formal e de modo controlado encontrar contradições sem se derivar sequer uma proposição.
- Continuando... Você também errou nesta prova aqui, veja, questão 1, menos meio ponto, pois apesar de apresentar as definições corretas...
- Formais...
- O que falaste?
- Nada senhor.
Falou ele baixinho, nitidamente triste, sua mão suava, pois ele esfregava as mãos na calça.
- Continuando... Pois apesar de apresentar as conclusões completas dos reais e naturais, vejo que se equivocaste e procuraste uma equivalência lógica, alegando para isso determinados contextos, e ressalvas na filosofia da matemática, Deus meu, filosofia hihihi... Mas não vamos levar isso tão a sério, te darei o outro meio ponto.
- Sim senhor, obrigado.
- Nesta mesma prova erraste também a questão três, pedi para você relacionar os tipos de filtros e suas convergências, vieste de nova tentar pôr coisa que não existe... "Em um dado sistema dinâmico e topológico é possível mais de um tipo de convergência", mas que diabos é isto? Onde estava com a cabeça? Menos um ponto. Nesta mesma prova, quando pedi para formar um conjunto de fórmulas bem formadas para descrever alguns conceitos físicos em linguagem lógica matemática, tendo em vista o logicismo, vieste com proposições compostas e quantificadores, assim como com alfabetos e operadores lógicos que não pertencem a lógica de primeira ordem, ou seja, nem uma coisa nem outra. Ah são tantas coisas... Bem, neste trabalho aqui... Bem... Questionaste o sistema axiomático ZFC... Neste outro aqui, utilizaste os axiomas de Dedekind-Peano com o sinal invertido...
- Há consistência e completude...
- Nada provaste. Portanto, zeraste este trabalho. Bem, vejamos, temos menos três pontos na primeira prova, menos dois pontos na segunda, menos um neste trabalho, já que apresenta os mesmos erros da primeira prova...
- Senhor - murmurou ele.
- E zeraste o último trabalho, lembre-se que eles substituíram a terceira prova, portanto, valiam no máximo cinco. Concluindo, temos sete, mais oito e mais quatro, dividindo por...
- Mas senhor, o meio ponto.
- Tanto faz! Dividindo por três temos a sua média final, que é... Hum... Seis virgula três, três, três e assim sucessivamente, é uma dízima periódica. Simplificando temos seis virgula dois, como não gosto de colocar números decimais na média final, seis. Pronto, aqui está sua nota.
- Hum...
- Por que não fala nada?
- Obrigado pela explicação senhor, posso ir agora?
Meu corpo começou a esquentar e quando percebi já estava em pé a falar, a fúria me consumiu.
- Por que você não fala nada? Hem? Por que não questiona? Por que me deixa intervir nas suas explicações?
- Hum...
- Por que aceita tudo calado? Por que não revida? Eu estava a te enganar! Eu menti para você! Sua nota não é seis, olhe, olhe bem aqui, dez, sua nota é dez... Dez, dez, dez...
Tinha pegado as provas e os trabalhos originais com uma mão, balançando-os freneticamente, enquanto apontava para as notas com a outra.
- Todas as suas notas foram dez, a sua média só podia ser dez... Tome, aqui estão todas as provas e trabalhos, junto com algumas anotações e indicações de livros que fiz, como "Was sind und was sollen die Zahlen?" de Gottlob Frege, agora pode ir.
Ele com um sorriso meio amarelo no rosto, envergonhado, levantou dizendo:
- Obrigado senhor, obrigado.
Pedi perdão pela lição cruel e enquanto ele caminhava até a porta o observava; aquele corpo raquítico, cabisbaixo e de andar inseguro. Fiquei a pensar, como pode alguém ser tão franguinho?