Melancolia _ inspirado no conto "Angústia" de Anton Tchekhov
A quem direi tamanha melancolia?
Como o peito assola tão profundamente a alma? Ou como a alma assola a si mesma nisto tudo? Como pode a condição humana pôr a si mesma em posição tão degradante e vil, asquerosa pelo cheiro de podridão, nauseante ao estômago vil em pensar-se como tal e abjetamente frio, como o cadáver de um homem qualquer. Volto de toda a movimentação diurna daquelas ruas cinzas e observo o homem a curvar-se ante a poltrona e cair de tão exausto que estava, olho os rostos pálidos como de um cadáver ou imóveis como de um robô e me questiono se algum deles o irão ajudar, não observo nenhuma movimentação para além das pálpebras a piscar. Já estava em pé, então ao levantar o homem pergunto o seu nome, responde ele, Cícero, ah como pode, penso eu, só poderia ser Cícero... Ao sentar diz ele:
- Obrigado jovem, hoje em dia não há mais jovens como vosmecê.
- Sim, não a de quê senhor, fico envergonhado ao saber que já não se fazem jovens como eu.
Ele rir e pergunta quantos anos tenho, respondo, apenas vinte senhor, apenas vinte, ele simplesmente sorri movimentado a cabeça, era um senhor de idade, frágil e muito quieto. Logo me dirigo a atendente e peço um remédio para enxaqueca, recebo-o e vou embora. A minha casa fica a dois quarteirões daquela farmácia, poderia ter ido direto, não era para eu ter cortado caminho, penso eu indignado com a enxaqueca e as pessoas a passar por mim cochichando, falando alto, ou crianças brincando só me irritavam mais ainda.
- A um quarteirão de casa!
- Olá! Olá! Lembra de mim, sou eu.
Essa não, mais uma distração, só a mais um quarteirão, só mais um...
- Como você está amigo? Há quanto tempo? O que anda fazendo?
Pensei, como pode alguém fazer tantas perguntas ao mesmo tempo; há exatamente 2 anos e por mim teria mais, mas respondi:
- Ah querido amigo, estou bem e você? Ando apenas estudando.
- Eu vim aqui comprar um Renault Sandero GT Line, está na hora de parar de andar de moto, não é mesmo?
Pensei, mas que diabos é isso, mas respondi:
- Ah sim, claro, claro.
- Bem preciso ir, até mais e sucesso nos estudos hahaha.
- Até! Até!
Até que enfim, penso eu. E me viro, só mais um quarteirão... Continuo andando na cidade cinza com o barulho a me atormentar e a ocultar o zumbido do coração naquela multidão. Todas as paisagens cinzas e há cinzas antes mesmo da combustão. A vontade era imensa.
- Ei, psiu, senhor, senhor.
Uma voz baixinha, rouca, bem ali no canto lúgubre daquela rua cinza, uma senhorinha a me chamar.
- Muito barulho não é mesmo?
- Que? O que a senhora... Como assim?
Ela sorri e com um gesto de mão, como a me chamar e logo em seguida a dizer deixa para lá, vira a cabeça para aquele cantinho sórdido.
- Quero dizer, a senhora quer esmola?
Ela sorri novamente.
- Não, guarde o seu dinheiro jovem, dele irá precisar.
- Como a senhora sabe disso?
- Todos irão não é mesmo?
- Ah sim, claro, que pergunta.
A me encarar com aquele olhar contundente e misterioso, sério, me pergunta, és estudante, não é mesmo?
- Ah sim, senhora, sim.
- Então como não poderias tu com este barulho todo se incomodar?
- Não estou a dizer isso, quero dizer, só achei que estando aqui, bem quero dizer.
Ela sorri e logo em seguida:
- Hahaha Estando aqui... Hahaha Não se preocupe tanto com suas palavras, elas podem te matar antes da hora. O mundo já é horrível de mais.
- Sim, eu me preocupo com as palavras, admito que as vezes ela nos afoga em angústia e nos dá um banho de água fria.
- Nos acorda para a decepção que é o mundo, nos possibilita a consciência da nossa miséria, a estupidez humana.
- Não sei se é apenas nossa estupidez, digo, não sei se é apenas a ausência do conhecimento que faz destas ruas, bem...
- Cinza e fria.
Completou ela com um sorriso no rosto.
- Não sei ao certo, por que estás a sorrir?
- Não, não estou.
- Estás, estás sim, estou a ver.
- É meu rosto...
Como alguém poderia ser tão sábia? Me interroguei, além do mais, naquela rua, naquela rua e todo dia.
- É o coração, meu jovem, que chora e é a mente que escraviza.
- Como assim a mente?
- A mente não existe para além dela mesma, a sua por exemplo, te escraviza a um pensar metódico e obsessivo. A destes outros, todos estes que possuem um negócio, a um pensamento metódico e obsessivo.
- Espera, queres dizer que eu um intelectual sou a mesma coisa que estes?
- Hahaha Sim meu jovem, sim... A diferença é que brinca com palavras e eles com vidas. A diferença é que procura respostas e eles, bem, notas.
- Prazer, é isto que eles procuram.
- E vosmecê não?
- Não, procuro respostas para aliviar a tensão, o zumbido.
- Que a tu mesmo causaste; a rua cinza...
- Não, não... A rua cinza, bem, a rua cinza é eles, os senhores que escravizam os corações e nos dão rua cinza e zumbido.
- Como? Como?
Repetiu ela impaciente, como que esperando uma criança responder a uma pergunta.
- O pensamento, bem... O pensamento metódico e obsessivo!
- A diferença reside nas palavras, na resposta.
- Então não tem como suspender a palavra senhora.
Au, au, au! O cachorro late para a porta e eu ante a porta a abro e o cachorro pula em mim, penso, se aquela senhora não fosse personagem, teria a resposta.