DEPOIMENTO DE UM SOLDADO CONSTITUCIONALISTA

Depoimento de um soldado Constitucionalista

Estávamos em 1930, sob a ditadura de Getúlio Vargas, não aguentávamos mais os desmandos de um ditador. A Constituição era desprezada. Nossos direitos políticos se acabavam em detrimento da vontade daquele que deu o golpe de Estado, pois na época, 1929 reinava a política do café com leite, isto é, ora era o paulista que presidia a República do Brasil, ora era o mineiro que governava. Estávamos sob a presidência de Washington Luiz, portanto o paulista da gema, quando seu sucessor seria, pelos usos e costumes, a vez do mineiro sucede-lo. Eis então, que cá se rompe com a história e se indica outro paulista: Júlio Prestes para eleição de 1930!

Era governador do Rio Grande do Sul Getúlio Vargas. Inconformado com o indicado, candidatou-se às eleições, perdendo para São Paulo pela a apuração dos votos, em 21 de maio de 1930; contou-se 1.091.709 votos a favor de Prestes contra 742.794 obtidos por Vargas e seu vice João Pessoa. Julgada pela oposição como eleição fraudulenta e com o assassinato do pernambucano, vice de Getúlio, pensaram logo em crime político e trataram de mobilizar os militares, sobretudo os tenentes, coadjuvantes  do movimento que ganhou corpo durante a República Oligárquica acontecida nas eleições de 1922. Mas depois  foi apurado que João Pessoa fora assassinato por um viés passional.

Em 24 de outubro, o poder estava nas mãos do presidente Washington Luís, deposto do cargo e logo exilado, pelo golpe dado por Getúlio Dorneles Vargas.

Os protestos ecoavam a todo momento de qualquer parte do país, sobretudo São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Eis que em 23 de maio de 1932, em plena Praça da República, são assassinados militantes contra a ditadura, os mártires Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, que morreram neste dia, porquanto, dias depois, falece Alvarenga que ficou fora da sigla MMDC, que passou a ser o símbolo da luta constitucionalista contra o ditador que enviara tropas federais contra São Paulo, que se defendeu com a formação do exército MMDC, contando com a experdise da então Força Pública de São Paulo.

Eclodia, a 9 de julho de 1932, a Revolução, contando com civis e militares do Exército Brasileiro de São Paulo. Surgiam cartazes de toda ordem como estes reproduzidos:

Nos meus plenos dezoito anos, sou cooptado para a guerra, onde, meu pai, com seus quarenta anos de idade, já se encontra no fronte. Minha casa ficara vazia com o voluntariado de minha mãe na oficina de costura e minha avó na cozinha, preparando as marmitas dos soldados. Meu avô, já falecido, não imaginara o desfecho de sua família.

Fui-me alistar no Batalhão 14 de Julho por simpatia à Revolucionaria Francesa que pregava a Liberdade através do seu hino a Marselhesa que diz: “Avante, filhos da Pátria, O dia da Glória chegou. Contra nós, da tirania Liberdade, liberdade querida, Combate com os teus defensores!” pois eu já comungava com os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ideais que aspirávamos através das armas contra a ditadura em favor da Constituição. Tive uma breve instrução bélica, mas servi como motorista no transporte de viveres e munição até Cruzeiro onde se instalara o fronte entre as forças estaduais e a Federal.

Muitas cartas eu levei sem chegarem aos seus destinatários que foram a óbito, muitos por desnutrição e outros por hipotermia, uma vez que estávamos em pleno inverno de julho.

A carência de armamento fazia com que o poder da criatividade construísse obus com eixo cardan de caminhões, matracas que repetiam a percussão das metralhadoras assustando os adversários. Até trem de aço se construiu como se verdadeiro fosse vagões de madeira revestido de metal!

Do rádio do jeep que eu dirigia, ouvia-se o locutor da Rádio Emissora Record, César Ladeira, que motivava os paulistas a irem à luta. Muitos deixaram seu curso da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, pelo discurso do tribuno Ibraim Nobre.

Tínhamos no Governo de São Paulo o interventor Pedro de Toledo que fora aclamado Governador, renunciando ao posto nomeado por Getúlio.

Um dos episódios que mais me comoveram no front, ocorreu no dia sete de Setembro, quando um brasileiro varonil saiu da sua trincheira portando a Bandeira Nacional se pondo de alvo ao seu inimigo, instante em que o adversário deixou seu abrigo, tocando a corneta em continência, motivando a todos os brasileiros a ficaram em forma  perfilados em continência à Bandeira em memória da Independência do Brasil: grande feito de D. Pedro I às margens do Riacho Ipiranga em São Paulo! Só não entenderam esse gesto patriótico os imigrantes que combateram de ambos os lados, a mando de seus patrões industriais, fazendeiros e até comerciantes, que de alguma forma contribuíram com o fabrico de capacetes, armas, tecidos, autopeças, mecânica e mantimentos. Muito deles conheci buscando seus produtos e transportando medicamentos e objetos hospitalares. Outra coisa curiosa que transportei foram joias, desde alianças, anéis de colação de grau, cordões de ouro e medalhas de santos cunhadas em prata, que serviram de valor de compra de combustíveis, munições, principalmente de lastro do papel-moeda que fora emitido pelo BANESPA: Banco do Estado de São Paulo para circulação interna do Estado.

A Revolução se tornara insustentável com a falta de adesão dos outros estados que prometiam adesão pela causa maior que era a volta aos direitos constitucionais, levando o Governador Pedro de Toledo propor a cessação das hostilidades em 2 de outubro do mesmo ano. Retornamos a união familiar com o dever cumprido, sem mágoas com os irmãos dos outros Estados, pois se tratava de brasileiros o mesmo ideal patriótico. Soube mais tarde, e a história confirma, que as joias doadas e os valores apurados não podendo voltar mais aos seus doadores, custearam a construção de um edifício doado a Santa Casa de Misericórdia de São Pulo, erigido no Largo da Misericórdia, em formato da Bandeira Paulista, correspondendo  a cada andar uma das treze lista preta e branco. No seu interior, consta os nomes de todos os doadores de suas joias e valores arrecadados. Uma epopeia que não mais se repetiu, nem mesmo frente a II Guerra Mundial com a expedição dos brasileiros pela FEB Força Expedicionária Brasileira, na Itália.

Orgulho-me de pertencer a6 geração dos combatentes de 1932 e quero que meus restos mortais repousem no Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32!

Assim Deus permita!

Chico Luz

CHICO LUZ
Enviado por CHICO LUZ em 28/06/2022
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