Momento
Só sossegou quando o colocaram diante do delegado.
- Por que você matou a mulher?
- Por amor, doutor.
- Quem ama não mata.
- Ah, vejo que o doutor ainda não amou de verdade!
- Sim, amo minha esposa.
- O doutor só saberá isso quando estiver diante do grande dilema. Mas vejo que ainda é muito jovem para saber alguma coisa sobre as profundidades do amor. Por enquanto, o doutor navega em mares calmos. Parece amor, mas ainda não é.
- Tá bom, mas a tua filosofia não te salvará da cadeia.
- Eu sei e não ligo, doutor. Eu não me entreguei? Vejo que o doutor acredita que grades de aço são ameaças à existência.
- Sem dúvida. Nada mais importante do que a liberdade, não acha?
- Liberdade? O doutor é realmente muito jovem. Talvez um dia o doutor entenda que a breve existência de um homem consiste simplesmente de um momento único, momento diante do dilema, momento que exigirá de você uma posição, posição que definirá seu destino.
- Não vejo a coisa desse jeito.
- Eu sei, eu sei. Talvez só verá em seu último suspiro e perceberá que todos seus conceitos existenciais não passaram de enganos pueris.
- Ok. Tudo bem. Que seja.
O delegado vira-se para o escrivão, manda colher o depoimento do filósofo assassino e sai. Vai até a área externa da delegacia, saca um cigarro na tentativa de apagar a cara do infeliz, de emudecer sua voz em seus ouvidos. Fica impressionado por algum momento, mas a vida real o traz de volta à razão e tudo segue normalmente.