T R A U M A

   Não, não tinha como esquecer aquela imagem ainda latente em sua mente, imagem essa que tanto perturbou Ayane desde os sete anos de idade, foi uma cena triste que seu cérebro guardou por muitos anos, porém não muito clara e sem um entendimento nítido de como aconteceu. A princípio ela sofreu psicologicamente por um ato impensado, ela viu sua mãe ser esfaqueada sem dó nem piedade por um homem inconseqüente que a queria a todo custo, o que causou quase que instantaneamente a sua morte, pois ainda chegou a ser socorrida, mas foi em vão todo o esforço e ela já deu entrada sem vida no hospital. O tempo foi passando e aquela nítida imagem foi se apagando aos poucos, mas não sumiu, ficou aquela lembrança em sua mente, porém distorcida, vaga e confusa, isso a deixou mais tranqüila quando já estava prestes a completar dezoito anos. Tinha momentos que ela nem lembrava mais, mas era somente sofrer alguma perturbação mental que aquela lembrança vinha a tona, muita coisa era praticamente vista como se fosse tirado um véu do passado e numa suposta tela tudo se projetasse e ela assistisse. Passado o aperreio Ayane se tornava uma pessoa normal, era como se nada tivesse acontecido de ruim na sua infância, razão de seus familiares evitarem que ela se aborrecesse.

   Ayane tinha vinte anos quando conheceu um rapaz que a pediu em namoro, ela estava ainda com o seu astral um pouco abalado, sempre lhe vinha aquela lembrança do passado e parecia lhe mostrar com quase todos os detalhes aquele fato ocordido quando ainda era uma criança. Aceitou o namoro com Paulo, era o primeiro rapaz que entrava na sua vida, queria tentar levar uma vida normal, mas qualquer discussão fazia com que seu cérebro liberasse essas imagens que ela tanto detestava, mesmo com todo o mimo que era tratava sempre surgia uma ocasião que era desapontada e isso a fazia perder o controle emocional.

   Passaram-se os anos, agora Ayane era uma senhora dos seus quarenta e dois anos, casou com o único rapaz que conheceu e teve dois filhos. Certa manhã estava sentada na mesa de refeições, junto com o marido e os filhos, quando em determinado momento Paulo levantou-se para pegar um pote de manteiga no armário. Ele estava com uma faca na mão e nesse exato momento, antes de pegar a manteiga, ele abraçou Ayane inocentemente para lhe beijar os cabelos. Ela teve um momento de fúria, gritou desesperadamente e empurrou ele com muita força, o que fez o marido cair e se ferir com a faca no abdome. O sangue jorrou imediatamente e um pavor se instalou na mulher que gritava como louca. Naquele momento ela não via mais o marido e sim um homem que ela pouco lembrava, mas sabia que foi ele o causador da morte brutal de sua mãe. Essa imagem foi liberada com toda a exatidão do fato da época em que era apenas uma menina. Todos gritaram apavorados e Ayane perdeu os sentidos, sendo socorrida junto com o marido ferido para um hospital próximo. Acalmada a situação com os dois sendo medicados voltaram para casa, mas a situação de Ayane não se normalizou, desse momento em diante não podia ver uma faca e muito menos ter algum desejo seu ser contrariado. Esse trauma ela carrega por muitos anos.