Amigdalite

Aproveitou a folga para ir ao dentista, mas a palavra não a acompanhou. Palavra não tem folga. Tão pouco o pensamento. Nem na rua e nem sala de espera do consultório o léxico sossega. A ficha cadastral a olhava sisuda e sem pressa. Cirugias feitas? Ela escreveu “amídalas" pois a pressa e a letra espaçosa gritaram mais alto que a correção e o bom senso, que sussurravam “falta a letra g... não é amígdalas a forma correta?” Ela sentiu imediatamente um incômodo. Pediu a ficha de volta para num rabisco estabelecer a partir da rasura feia, e ainda mais sisuda que a ficha, a criação do espaço para o g, e para a correção que se impunha e se revirava. A ficha já havia sido despachada. Ela ficou sem as amígdalas e após o atendimento, com a garganta arranhando por trás do sorriso bem cuidado, já não podia emitir os vocábulos com a prosódia adequada. Com a grafia maculada, a pronúncia também arrumou as malas e foi embora. Amigdalite volta? Aparece em quem já passou por procedimento cirúrgico? A dor de garganta a acompanhou durante todo o dia. Foi até um dicionário. A dificuldade de engolir aquele erro desatento e bobo, pintado de vermelho e que diz bem ao seu ouvido que algo não está bem se dissipou somente com o passar do tempo. O tempo tolerante e benfazejo. Tempo, o maior amigo, modificador e confidente das palavras escorridas e pirracentas.