O Mago
Sem dúvida era um artista, gostava das palavras, das frases bem feitas, da filosofia...Letras, músicas e tons faziam parte de seu mundo... Em algumas vezes bebidas, cigarros, mulheres num ambiente entorpecido... Em outras a solidão, o desespero frente aos problemas, frente ao abandono... Estar e permanecer só era condição estabelecida por ele. Mas por instantes gostaria de não penetrar apenas carne, mas almas... Mendigava inconscientemente por atenção, por afago, por cumplicidade...
Conheceu Maria numa tarde fria... Quando a fome era enganada para permanecer mais um pouco no trabalho. Ela era alegre, extrovertida... Menina... Naquele primeiro encontro nada parecia encantar... Ele acreditava que nunca a desejaria... Dias depois viu que estava enganado...
Vidas diferentes, perspectivas, sonhos incomparáveis... Mas em seguida teve ela em seus braços...
Os dias foram passando e ele já conhecia o gosto da pele, seu cheiro, o brilho dos olhos e as caras e bocas que ela fazia quando queria dizer isso ou aquilo...
Sabiam que um não participaria do futuro do outro, mas isso não importava...
Enquanto ele lia Nietsche, ela aprendia sobre anjos... Enquanto ele se perdia nas letras e traduções de algumas canções, ela enchia os olhos de lágrimas ao ouvir Roberto Carlos... Enquanto ele pensava no que faltava... Ela pensava em tudo o que ganhara... Enquanto ele planejava se perder pelo mundo... Ela sentia medo de andar por ruas desconhecidas do centro da cidade... Enquanto ele tinha suas crises de mau humor... Ela pensava em o que nele parecia ser tão diferente... Dois seres que em comum só tinham a curiosidade de o que aconteceria amanhã e uma crescente carência adquirida ao longo dos anos...
Já era noite e cada um foi para um lugar diferente...
A pista de dança estava lotada, muita gente bonita. Era daquilo que gostava... Mas quando tentava olhar nos olhos as pessoas com quem dividia o palco, percebia frieza... Sabia que não existia amizade... Eram apenas companheiros de jornada... Imaginou onde ela poderia se encaixar naquela cena... Não achava a resposta, não encontrava o lugar... Aquele era o mundo dele...
A oração iria começar... Ela mentalmente fez seus pedidos... Pensou nele, abriu os olhos e olhou ao redor. Alguns conhecidos, muitos amigos... Muita fé... Com certeza ela nunca o encontraria no meio daquelas pessoas... Por tudo que sabia dele, ele acharia aquilo tudo uma fantasia, uma bobagem... Tentou ficar indiferente aos pensamentos... Pediria por ele... Por eles...
Cada um a sua maneira justificava o próximo encontro... Que cedo ou tarde acontecia... Juravam para si mesmos que sentimento nenhum faria parte... Deixavam claro que nunca haveria envolvimento... Escondiam o medo que sentiam de parecer fracos...
As diferenças eram indiscutivelmente claras... Ela prestava atenção em tudo, ele era completamente desligado, como se ás vezes viajasse para dentro de si mesmo e só ali conseguisse encontrar paz...
Mais cedo do que todos imaginavam, ela sorria ao lembrar dele... Ele por sua vez conseguia, fechando os olhos, trazê-la para perto... Quando ele percebeu o que estava por acontecer, se é que não tinha acontecido ainda, resolveu acabar com aquilo...
A conversa foi longa... Ele falou, falou... Disse que se continuassem daquele jeito, mais cedo ou mais tarde, ela iria sofrer... Que deveriam se afastar... Sem mágoas... Já tinha falado muitas vezes que paixão não fazia parte de seus planos... Falava tão alto, parecendo que precisava ouvir sua própria voz para também acreditar no que dizia.
Ela escutou atentamente... Não entendia como ele conseguia ficar tão diferente de uma hora para outra. Sentiu-se culpada por ter deixado as coisas tomarem dimensões maiores que as previstas. Mas nunca pensou que passaria por aquela situação... Ainda acreditava em estórias com finais felizes... Mas era necessário tomar uma posição... Concordou com tudo, e saiu sem olhar para trás. Tentando deixar claro que para ela também não tinha sido importante...
Ele chegou em casa e ainda pensava nos olhos dela... No jeito de menina, ou nas palavras quase indecentes que eram sussurradas enquanto a amava... Pegou o violão... Precisava esvaziar a mente, sentir a música... Era como se purificasse seu ser e seu peito aos poucos não parecia estar tão apertado...
Ela entrou em seu quarto, abriu uma gaveta... Pegou uma das agulhas de tricô, afastou a roupa e abafou o grito quando enfiava a agulha sem piedade entre suas pernas... Sentiu o líquido morno escorrendo... O sangue contrastava com a pele branca de suas mãos que continuava segurando a agulha... Achava que tinha feito o certo...
Atualmente tanto ele quanto ela vivem em busca de algo que não sabem explicar o que é... Ambos sentem-se só...