Nadine conseguiu…

 

A lâmina, na sala de testes do laboratório sem nome. Aquele laboratório cercado de vozes robóticas que vinham de caixinhas de som. Aquele laboratório que matava 403 outras Nadines passadas… Aquelas luzes ofuscantes lhe causavam vertigens… pifaram. “erro”. “erro”. “erro”. “erro”… – simples assim. A lâmina já estava rente ao seu tronco. Nadine se pendurou num fio, como uma corda, até o máximo que pôde enquanto aquilo atravessava tentando matá-la. Talvez fosse isso… o sentido daquele teste; ficar ali pendurada por um tempo estabelecido? Um teste de força? Talvez. Mas a lâmina chegou e lhe deu um corte profundo na perna esquerda. E quando Nadine gritou de dor (alto e agudo) ela mesma se assustou. Pois não conhecia a própria voz… Não sabia o que era um grito. Não sabia o que era a dor. A lâmina surgiu outra vez, na segunda tentativa; rápida e violenta em sua direção. Em milésimos de segundos Nadine No. 404 soube que tudo ia acabar. “Tudo”… que na verdade não era nada. Um milagre aconteceu. Um erro. E a lâmina simplesmente emitiu um ruído esquisito, soltando fagulhas e sons de coisa quebrando por dentro, um cheiro metálico e queimado veio das paredes. Nadine não sabia o quanto era sortuda pois não sabia o que era sorte. Correu até a porta no final do corredor. Não havia dúvida ou escolha, porque era a única saída possível. Nadine abriu a porta…

 

Havia uma escada longa e íngreme que dava numa OUTRA porta… E ao sair por aquela porta, Nadine se viu numa rua escura… pouquíssimos carros passando rapidamente. Haviam algumas mulheres, encostadas nos muros com roupas extremamente apertadas, sendo muitas vezes até transparentes e seus corpos apareciam. Nadine parou, encarando-as como uma criança. Olhava para elas e em seguida para o seu próprio corpo nu. Algumas mulheres começaram a rir e acenar para alguns automóveis que passavam reduzindo a velocidade, mas nenhum parou. Uma delas fumava um cigarro e acompanhava com um olhar desconfiado, os movimentos de Nadine No. 404. Comentou com uma delas “E aquela ali… quem é? Com cara de assustada”. As outras passaram a olhar… Não chegavam perto. Curiosidade e aproximação não era seguro pra elas. Nadine se agachou com as mãos nos joelhos, ficou com medo daquela fumaça que saía das bocas daquelas mulheres. Mas, no fundo… Nadine sentia que “conhecia” um pouco daquilo tudo… tudo que via… nada parecia 100% estranho. E chegou a desejar o cigarro, mesmo sem fazer ideia do que era. E até mesmo sentiu vontade de tocar os corpos daquelas outras mulheres. Sentiu vontade de ficar perto delas. De repente um carro chegou…

 

Era um carro preto com vidros também eram totalmente negros. As mulheres não gostaram daquilo e em vez de se aproximarem como abelhas em mel… afastaram-se e ficaram unidas na parede, encolhidas e preocupadas. Um dos vidros se abaixou e um homem de óculos escuros e roupas também escuras, acenou pra Nadine. Nadine encolheu-se encostada num poste sem compreender de onde vinha aquela sensação feroz de AUTODEFESA que crescia diante da visão daquele homem. O homem então, vendo que Nadine não saía do lugar, deu um suspiro irritado. Fechou novamente as janelas do carro e começou a cantar os pneus, com fúria. O barulho era ensurdecedor… Neste momento todas as mulheres sumiram correndo. Menos aquela que tanto encarava Nadine desde o início. A fumaça subiu e um cheiro de borracha queimou junto ao barulho de motor que tomava conta de toda rua. Assim como naquele momento da chegada da primeira lâmina, Nadine não fazia a menor ideia do que estava por vir. Mas a mulher, parecia saber… Quando finalmente ele acelerou e voou em cima de sua cobaia fugitiva; ela se atirou em cima do carro para salvá-la, rolando por cima do capô e indo parar do outro lado da pista. Nadine gritou pela segunda vez em sua vida e correu pela segunda vez também. Correu sem parar por várias horas a se perder de vista. O homem saiu do carro e andou vagarosamente em direção ao corpo da mulher que morreu. Parou ao seu lado, tirou os óculos mostrando olhos meio tristes e entediados também. Outro homem de preto surgiu ao seu lado. Se olharam… - "É DESSE TIPO de cobaia… Que precisamos.", Nadine correu e correu e correu,,, atrás de uma vida que ela nem sabe se teve ou se tinha capacidade de ter… E que graças aquela mulher e suas… fumaças. Ela poderá ter a opção – assim como todos nós – de tentar. Vencer ou não vencer. Por conta própria.

 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 05/06/2022
Código do texto: T7531048
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