Último Gol
Era a última rodada do campeonato. Estádio lotado, bandas tocando e a torcida cantando suas músicas de incentivo.
Enquanto o técnico fazia sua última preleção, fiquei sentado numa das cadeiras do vestiário pensando em tudo o que fiz na carreira por este clube. Seja ganhando títulos, fazendo gols decisivos e superando barras como a lesão grave no joelho que me deixou mais de um ano parado.
Nada disso importava. Hoje era meu último jogo e precisava das minhas pernas para dar aqueles piques que tanto cativavam o torcedor.
Queria também guardar a última lembrança dessa torcida maravilhosa que me apoiou tantas vezes e mesmo nos dias em que nada dava certo em campo, continuava aplaudindo-me porque sabiam que sempre dava sangue e suor pelo time.
O “professor” me chamou para rezar junto com meus companheiros na capelinha do vestiário e antes de entrarmos no túnel que levava ao estádio, fez apenas um pedido a mim: que aproveitasse esse último jogo ao máximo.
Puxei a fila dos jogadores e a torcida nos saudou com fogos e gritos de guerra. Meus olhos estavam marejados, mas não poderia mostrar o quanto sentia naquele momento.
Minha família estava nas sociais torcendo por mim. Meus pais e irmãos, minha esposa e meus dois filhos que sonhavam em seguir meus passos no futebol.
O jogo começou e a marcação estava tão cerrada que não tinha nem espaço pra respirar, mas continuava lutando com o sistema defensivo adversário no meu território preferido, a grande área.
Recebi algumas bolas enforcadas e outras na medida, mas o gol não saía. Uma bola cabeceei na trave e a outra, o goleiro fez uma defesa digna de Gordon Banks.
Mantive-me calmo, pois sabia que esse gol seria melhor do que todos os outros que marquei na carreira.
Vi Pedrinho, que era um ponteiro arisco e veloz que nunca fugia das botinadas, ganhar dos marcadores na corrida e cruzar pra área.
Era a oportunidade tão sonhada. Corri para a bola, saltei o mais alto que pude e acertei uma bela cabeçada lá no cantinho do goleiro.
Comemorei como um possesso. Fui pro alambrado olhar os rostos alegres dos torcedores que tocaram em mim como se fosse um daqueles ídolos do rock ou de cinema.
Quando voltei ao gramado, vi de relance as lagrimas emocionadas da minha família e amigos pelo gol que marquei.
Nem liguei que tinha levado cartão amarelo por comemorar fora do gramado. Porque era o ato final da minha carreira. O último gol.
O maior de todos.
Faltando 20 minutos para o fim, a placa foi levantada com meu número iluminando-a.
Era a hora do adeus. Os aplausos de pé, a torcida gritando meu nome pela última vez fizeram-me ver um filme na minha cabeça.
Minha promoção dos juniores, meu primeiro gol aos 18 anos de idade onde os jornais da época diziam que nascia o novo “Rei dos 18 metros”, os primeiros títulos, a Bola de Prata que ganhei aos 22 anos, depois a de Ouro aos 27. A ida a Europa, a alegria de ser campeão espanhol e depois jogar a Champions League sendo também campeão. A volta pra casa, o drama do joelho machucado, o retorno triunfal e agora o momento de despedida.
Quando sentei no banco de reservas, não resisti as fortes emoções e chorei, não de tristeza, mas com a sensação de dever cumprido.
Ainda tive outro momento de alegria quando o menino que havia entrado em meu lugar fez um gol de placa e me abraçou na comemoração dizendo:
- Meu velho, esse gol é pra você. Obrigado por tudo.
Sempre quis ajudar esses meninos porque já fui um deles e vi o quanto é difícil chegar a um clube de futebol tendo que se destacar desde a escolinha. Vi com meus próprios olhos sonhos sendo desfeitos apenas com um aceno negativo de cabeça ou por um berro de um treinador cabeça-dura que não entende o quão complicado é pra um menino vindo da periferia tentar realizar seu sonho dentro das quatro linhas.
E naquele momento vi que o menino tem um talento pra ser um futuro craque. Um goleador que sem dúvida trará alegrias para essa torcida.
O jogo terminou e com os resultados paralelos da rodada, acabamos levando mais um título desta temporada.
Era o desfecho perfeito. Fiz minha última volta olímpica com meus companheiros e ergui a taça junto com o capitão do time pra coroar minha despedida.
Depois de pegar um tufo do gramado para levar de lembrança, voltei ao lado de fora para conceder a última entrevista da carreira e nela falei o que sentia:
- Agradeço a todos pelo que fizeram por mim. Minha família, meus amigos, meus companheiros e todos os treinadores que trabalhei. Aprendi que todas as coisas tem um fim, mas nada receio o que acontecerá comigo daqui pra frente porque saio dos gramados para entrar pra história deste clube maravilhoso e também do futebol brasileiro.
Depois da entrevista, peguei uma das bolas do jogo e disse ainda com lágrimas nos olhos:
- Obrigado por tudo, minha velha amiga. Obrigado e adeus.