Soldado Nicodemos

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

Da para viver sem, mas o estudo faz muita falta sim... Nicodemos não teve a sorte de frequentar uma escola, nem contou com ajuda de alguém para aprender a ler e escrever... ser alfabetizado.

Queixas da sua parte, quanto a esse infortúnio, com certeza havia, mas tocava a vida sem muito remoer o passado. Aprendia o básico para viver, na escola da vida.

Era ainda bem jovem, com a força e disposição para a uta. E isso bastava-lhe. No lugar era visto com bom olhos..., como um rapaz trabalhador.

Vivia de fazer serviços grosseiros, braçais: nas roças e nas cidades também. Somente um trabalho que fez, numa ocasião, não atendeu a necessidade do cliente: o de panfleteiro, a um político da localidade onde morava.

Ao final da sua jornada de trabalho (da distribuição de santinhos e colação de cartazes)...

Da conferência do serviço, foi verificado que, muito dos cartazes estavam colados de cabeça para baixo. Em muros, postes, casas... por todos os lugares. O contratante nem quis pagar direto seu serviço: deu só uns trocados a ele, para um lanche, um café. — E o dispensou.

Depois desse vechame, do serviço ao político, passada a temporada de caça aos votos...

Nicodemos conseguiu uma boa colocação no mercado de trabalho da sua região (noutra atividade): foi trabalhar para um tenente da PM. — A cuidar da criação de frangos e outras aves do militar.

Estava feliz no seu novo emprego; e sentia firmeza no patrão, homem de verdade, brio... que não explorava seus colaboradores. Pelo contrário: até os ajudava a crescer na vida...

Alguns anos naquelas lides na avicultura, com o militar, em seus bons serviços prestados, Nicodemos ganhou a sua confiança.

Assim o oficial em bondoso coração, viu que seu colaborador merecia algo melhor... um serviço com uma remuneração algumas vezes mais do que ganhava.

Por atender aos requisitos da Corporação da (PM): em boa idade, porte físico, disposição, Nicodemos foi chamado ao escritório do tenente, a uma conversa...

A pauta do tenente nesse diálogo com seu funcionário, consistiu num convite a ele, à carreira militar.

— Nicodemos, você já aprendeu a ler e escrever?

— Ainda não tenente, mas posso tentar.

— Pois trate logo de aprender. Se você conseguir almenos fazer seu primeiro nome, eu lhe coloco na Polícia Militar.

Nicodemos achou a proposta as mil maravilhas. Sem pensar duas vezes, aceitou logo o grande desafio.

— Outra coisa não, mas meu nome eu garanto fazer.

E garantiu mesmo: em treinos constantes, aprendeu a desenhar seu nome usando espinhos de laranjeira em folhas de bananeiras.

Tempos depois, lembrado pelo tenente sobre o combinado, lançou mão do papel e derramou sobre ele nove letras garrafais. Não tão bonitas, mas legíveis onde juntando-as formava seu nome de batismo: "N-I-C-O-D-E-M-O-S".

Coube ao tenente cumprir o prometido... e cumpriu: não demorou tanto e Nicodemos já era um soldado formado. Um Servidor da Segurança Pública Estadual.

Seu primeiro dia de trabalho se deu em Aimorés com gracejos... por parte de alguns da comunidade, mas Nicodemos não abusou da sua autoridade.

Aconteceu que, o Nicodemos ficou incumbido de cuidar da ordem pública, num evento da cidade; — onde pessoas em desordeiras, costumavam atropelar uns aos outros para participarem de lançamentos de filmes, no cinema local.

Cabia a Nicodemos ficar atento e, não permitir (barrar) a entrada de menores de idade no recinto. Para assistir esse filme.

Numa enorme fila que se formou Nicodemos observou o Derli (conhecido seu), desconfiado dele não ter ainda 18 anos, pediu-lhe os documentos.

O garoto era de menor na verdade, e portava consigo apenas uma receita medicamentosa, que a tirou do bolso e deu-lhe.

O soldado Nicodemos (ainda não sabia ler) a olhou, de cabeça para baixo, virou de um lado, do outro e a entregou ao jovem, nos dizeres:

— Da próxima vez, Derli, pregue pelo menos uma foto no canto superior desse documento, ok? Se não, serei obrigado a lhe prender.

*Nemilson Vieira Gestor Ambiental/ Acadêmico Literário da ANELCA/ALB/MG

(30:05:22)

Nemilson Vieira de Morais
Enviado por Nemilson Vieira de Morais em 30/05/2022
Reeditado em 04/12/2023
Código do texto: T7527386
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