A prisioneira do Castelo do Alto da Bronze

Pouco tempo antes de falecer aos 98 anos, Nilza Linck, ao retornar ao Castelinho, com expressão serena, declarou a um jornalista gaúcho:

hoje, olhando com certa distância, a história que se passou comigo neste castelo, parece muito cômica. O tempo passa, passa e a gente vai vivendo, sem se afinar com mágoas.

Nilza foi a própria musa para quem a bizarra edificação medieval foi construída no fim dos anos 40, em pleno centro de Porto Alegre.

Ela conheceu Carlos Eurico Gomes, afamado político da época e influente persona da sociedade Porto-Alegrense, ainda no início daquela década, quando tinha apenas 18 anos. Já era mãe de um garoto e, para os padrões da época, com certa ironia a chamavam de “mulher desquitada”.

A paixão por parte dele foi tão fulminante que não apenas construiu um castelo para ela como a transformou na sua rapunzel, mantendo-a durante quatro anos sob uma vigilância tão rígida a ponto de impedí-la de aproximar-se até mesmo das janelas do prédio com 3 andares.

Eurico era aficcionado por edificações medievais e construiu o castelo todo com pedras. Alegava que Nilza era uma princesa e que deveria morar nele. Nilza achava bonito, mas não era apaixonada por castelos.

Segundo relatos qualquer movimento seu era motivo para despertar ciúmes nele. Chegava a usar um revólver para ameaçá-la.

Muito já foi contado e, inclusive, escrito sobre a história e, dentre tantos relatos, reza a lenda que ela ficava no terceiro andar sem poder descer, como prisioneira.

No início do relacionamento, por muito tempo ele se apresentou como Luciano Lobato. Apresentava-se como homem solteiro. Nilza não queria namorar. Desejava somente trabalhar e foi aí que ele conseguiu um emprego para ela na Prefeitura de Porto Alegre. Sua posição na época era de Superintendente do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Após longa insistência dele Nilza acabou cedendo ao romance.

Muito tempo depois ela descobriu que Carlos Eurico era casado com Ruth Caldas, irmã do proprietário do Jornal Correio do Povo e tinha três filhas. Com o tempo ele acabou abandonando-as.

O luxo era evidente dentro do castelinho. Os móveis, na sua grande maioria eram de jacarandá e as cortinas de cetim dourado. Mas tudo era lúgubre, até mesmo fantasmagórico.

Nilza chegou a contar que Eurico acordava-se à noite para verificar quem estava embaixo da cama. Seu ciúme era tão louco que a deixava fora de sí. Muitas vezes a acordava gritando: diga rápido com quem estás sonhando!

Cansada da vida que levava como fantasma no castelo penumbroso, mesmo coberta das mais belas joias ganhas do companheiro, ela acabou fugindo com o filho e as duas empregadas.

No final dos anos 50, já totalmente liberta do homem que a aprisionou, Nilza soube que no castelinho funcionava uma boite. Resolveu retornar para conferir o que tinham feito do lugar no qual residiu por quatro anos. Contou, com muito bom humor, que ficou quieta, mantendo-se anônima enquanto ouvia os frequentadores contarem histórias, todas falsas, sobre “o que teria acontecido com aquela mulher que morava no castelinho”. Diziam que ela teria fugido do rico proprietário para casar-se com um homem pobre e viver na sarjeta. E depois muitas outras lendas mais absurdas foram ouvidas.

Alguns anos antes do seu falecimento Nilza costumava ser chamada no castelinho, na época palco de produções artísticas, para servir de inspiração em palestras e rodas de memória sobre a história que rendeu tantas vertentes.

Mas o que se sabe através da sua biografia e das poucas fotos divulgadas, é que ela se manteve uma princesa até o fim dos seus dias, sempre com os cabelos arrumados e uma leve maquiagem, mesmo longe dos holofotes sombrios que a dominaram no decorrer de um relacionamento doente.

Rosalva Rocha

24/05/2022

Rosalva
Enviado por Rosalva em 24/05/2022
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