“A LÂMPADA” - “incompleto”

Já vieram três vezes... mais algumas outras e será o meu fim. Consigo ouvir um alvoroço lá fora (devo estar imaginando... sonhando entre paredes de aço). "Parentes" chegando. Não... não são MEUS parentes. São os parentes daqueles que matei. Eram cinco e ainda me sinto incompleto. Me pegaram antes de terminar o serviço. Estava no bem na metade... deixá-los em pedaços irreparáveis.

Seria menos cruel se me deixassem acabar. Tangram e mosaico... Quadro de Pablo Picasso. Que vida de merda ele vai ter. Com enfermeiras e máquinas sempre por perto. E "Patentes". Faltavam ainda mais uns. Anotados na caderneta marrom. Seria o fim do projeto... EU MESMO me entregaria! "O assassino foi preso! Os policiais são heróis! O bem vence o mal! O mundo AINDA É BOM, afinal." blá-blá-bá. Aceitaria meu destino, pois tudo teria sentido, estudiosos e sábios entenderiam minhas ações.

A lâmpada na porta brilhou mais forte outra vez, enquanto todas as outras... Quase falharam... Oscilaram, oscilaram... É como se fosse faltar energia mas estou numa prisão de segurança máxima e aqui nunca falta luz. Estariam testando a cadeira?? Sabe aquele papo de cinema em que podemos escolher uma última comida específica...? Esqueçam. Eu comeria aquele churrasco grego que vendia na rua na frente da casa de minha irmã. É quase chegada a hora, eu posso sentir. Posso ouvir os passos apressados, tensos... no corredor. Apressados... São idiotas robotizados. Como um sistema que mata tanta gente, consegue ainda se atrapalhar?! Soube de outros caras… vi na TV. O ESTADO matando, matando e matando... Outra luz, oscilando, oscilando... O posicionamento idiota dos guardas a porta. Pomposos patriotas… imbecis. Quem eles pensam que estão protegendo? Quem os protegerá em seus últimos suspiros? Quem tentaria fugir agora?! Se desgarrar e sair correndo…? Pra onde? Pros braços de QUEM?! Vi gente sendo aplaudida de pé por matar bem mais gente que eu. As portas se abriram… Dou um sorriso. Não quero sorrir... Não acho nada disso engraçado. Não queria fazer o papel do “Psicopata que ri”. Quero chorar... Queria chorar por dias... Mas se chorar, eles dirão que me arrependi. Dirão que choro por eles. Por aquilo que eles acreditam. Deixei uma estrada pela metade… por isso que choro. Estou incompleto. Deixei o trabalho de minha vida inacabado, mas todos não deixam? Brilharei em raios elétricos agora. Serei a luz dum juízo final, com um nome importante, coisa que eles nunca terão… minha lâmpada brilhará. As outras falharão em minha homenagem. Queira ou não queira... Eu sou a luz que os ilumina e lhes dá sentido. Mesmo que incompleto... e agora oscilando, oscilando... 

 

Henrique Britto
Enviado por Henrique Britto em 16/05/2022
Reeditado em 13/05/2023
Código do texto: T7517621
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